terça-feira, 2 de agosto de 2005

Portugal, uma viagem

1. Restaurante no B’lém. "Deseja carapau, a rapariga?". A espanhola ferrou os olhos no garçom, a exigir explicações. "Raios! Nem sabe o que é um carapauzinho..." No meu canto remoía minha fome. Cogitei até mesmo um prego, mas reconsiderei em favor de um lombo de ‘bacaláo’, bem mais digestivo. 2. Surpreendem-me certas coisas em Portugal. Os nomes, por exemplo. No Museu da Água, no B´lém, uma localidade chamava-se, na Idade Média, Paugordo. Isso mesmo: Paugordo. Outro topônimo que trouxe certa apreensão, no caminho para Cascais, é Almoçageme, lugarejo perto do Cabo Roca. Deus me livre de lugares assim. 3. Após esperar quase uma hora para ser notado num restaurante no centro de Lisboa, o garçom foi logo tascando: "o gajo parece estar para uma bifana..." "Não nunc..." (antes que eu pudesse responder, outro garçom, de caso pensado, decretou): "o que ele gosta mesmo é de uma chanfana, ora se não." Apesar de sua irreverência, acabei por convencê-los de algo mais convencional, e fui de bacalhau no carvão. Cheguei de ônibus a Lagos, no Algarve. Viagem suave; merecidas horas de descanso. Lá pelas duas da tarde, a fome abria um feroz hiato entre os mundos interno e externo. Com poucas opções de restaurante àquela hora, entrei no que me pareceu o mais bacana. Infelizmente, as opções eram suspicazes: lulas cheias de olhão, choquinhos com tinta, rojões, ensopado de borrego ou calderada de enguias. Difícil. A opção das batatas a murro também me pareceu temerária e, em desespero, considerei as tripas à moda do porto, última instância. As lulas subiram a parecer, e foram rejeitadas, por causa do olhão (que diabos eu faria com o olhão?); os choquinhos até poderiam servir, não fora a tinta. Que fazer? Arriscar com rojões? Tolerar as patifarias das batatas a murro? A história terminou com caldo verde à minhota, de entrada, e ameijoas à Bulhão Pato. Aí veio a crise da sobremesa. Trouxas das caldas? Lampreia de ovos? Pastéis de Tentugal? E quanto às Rosetas, Viriatos, Ouriços e Ninhos de Viseu? Hum, deixe-me ver. Aletria com ovos? Cavacas das caldas, tigeladas? contentar-me-ia, porventura, com brisas do lis de leira? Fiquei com as brisas. 4. Batalha Achando muito árida a basílica de Batalha os pássaros resolveram adotá-la, e em sua nave estabeleceram alegres rotas aéreas: voam entre santos e anjos, suavizando o duro ato de ser pedra.