domingo, 24 de julho de 2016

Por que democracias fracassam

SÃO PAULO - "Democracy for Realists", de Christopher Achen (Princeton) e Larry Bartels (Vanderbilt), é um livro importante. Os autores basicamente destroem nossas mais caras ideias sobre a democracia. E o fazem com a força de evidências.


O livro começa detonando o que os autores chamam de teoria popular da democracia. É a noção de que o indivíduo, na hora de votar, faz escolhas conscientes entre as várias propostas apresentadas pelos candidatos. Para Achen e Bartels, isso é muito mais religião do que ciência.


O que os dados relativos a séculos de eleições em vários países mostram é que o eleitor não tem estrutura cognitiva nem disposição para agir assim. Ele não estuda em detalhe cada ponto das propostas. Prefere dedicar-se a coisas como trabalho, família etc. e acaba escolhendo o candidato com base em emoções ditadas por lealdades sociais. Quando há a opção da democracia direta, frequentemente a maioria toma a decisão errada. Foi assim que várias comunidades dos EUA rejeitaram a fluoretação da água. Mais recentemente, os britânicos decidiram sair da UE, outro verdadeiro tiro no pé.


Teorias mais acadêmicas de justificação da democracia, como a de que o sistema funciona porque o eleitor recompensa e pune dirigentes de acordo com seu desempenho, não se saem muito melhor. Não é que isso nunca ocorra. O problema é que há tanto ruído nesse processo que ele se parece mais com um sorteio do que com um método racional de decisão. Os autores mostram, por exemplo, como ataques de tubarões afetaram a reeleição do presidente Woodrow Wilson em 1916.

Achen e Bartels não são, porém, golpistas. Eles defendem a democracia, mas por razões que muitos considerariam laterais, como favorecer a liberdade de expressão, a segurança jurídica e, principalmente, a alternância do poder. Para eles, não devemos exigir da democracia mais do que ela é capaz de oferecer.

Marcelo Loureiro

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Helio Schwartsman



"Minha terra tem palmeiras,/ Onde canta o Sabiá;/ As aves, que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá." O Brasil é um país poético, se admitirmos a definição pessoana de que o poeta é um fingidor. O Brasil finge tão completamente que chega a acreditar em seus fingimentos.

Adoramos nos ver como gente responsável e solidária, que dá prioridade ao que deve ser prioritário. Por isso, determinamos em lei rígidas vinculações orçamentárias que assegurem que jamais faltarão recursos para a saúde e a educação.

As boas intenções, porém, têm o péssimo hábito de esbarrar nos ditames da realidade. É por isso que, desde 1994, aprovamos as famosas DRUs, as desvinculações de receitas de União, que permitem aos governantes de turno ignorar parte das vinculações, isto é, cortar dinheiro da saúde e da educação. O truque é infantil, mas, por alguma razão, a sensação de dever cumprido não é inteiramente eliminada.

Gostamos de nos ver como uma democracia moderna e vibrante e, por isso, promovemos consultas públicas que mobilizam todo o país, como se viu agora no caso da discussão sobre o currículo nacional. Não se destaca que o MEC não tem como processar (isto é, ler) as 10 milhões de contribuições que cidadãos levaram ao site do ministério, o que implica as comissões farão o que lhes der na telha, sem dar muito peso à participação popular.

Orgulhamo-nos de ser uma nação soberana e, por isso, baixamos uma lei que garante à Petrobras, orgulho nacional, participação em todos os campos petrolíferos do pré-sal. Não importa tanto que a Petrobras esteja atolada em dívidas e que a regra hoje só sirva para apertar ainda mais as finanças da empresa. Não nos curvamos ao imperialismo ianque.

Talvez seja a hora de fingir um pouco menos e sermos mais práticos, ainda que tenhamos de abrir mão de parte da poesia nacional.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Depressão



Circula na praça uma versão da velha piada sobre a diferença entre recessão e depressão. Na recessão, seu vizinho perde o emprego. Na depressão, você também o perde. Recuperação é quando dilma perde o emprego (e é enforcada, incidentalmente).

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Monica De Bolle

Para impedir que a desvalorização do real se transformasse em pesadelo inflacionário ainda pior do que o aumento de quase 11% dos preços em 2015, o Banco Central acaba de anunciar prejuízo de 1,5% do PIB, ou cerca de R$ 90 bilhões de reais no ano passado.

A perda deve-se à forma como a autoridade monetária brasileira intervém nos mercados de câmbio desde 2013, usando os chamados swaps cambiais. Nessas operações, o Banco Central entrega ao investidor a variação do dólar em relação ao valor futuro predeterminado no contrato e em troca recebe a variação dos juros de mercado no mesmo período. Como as operações são efetuadas em moeda doméstica, não há perda de reservas. Ou assim nos dizem.

Em 2013, quando essas operações se avolumaram, o motivo era oferecer proteção aos investidores contra as bruscas oscilações do câmbio vinculadas ao fim dos estímulos monetários excepcionais nos EUA. Na época, o temor dos mercados de que a liquidez internacional se esvaísse diante da mudança de postura do Federal Reserve (Fed) induziu fortes desvalorizações de moedas emergentes, entre elas do real. Contudo, quando o tumulto acabou, nosso BC não se fez de rogado. Continuou a prover “proteção” aos investidores, embora estivesse ficando cada vez mais claro que o intuito verdadeiro era conter o deslizamento da moeda brasileira. Contenção que fez o estoque total de swaps cambiais alcançar cerca de US$ 120 bilhões. Como o real só sofreu desvalorizações nos últimos tempos, ao estoque considerável somaram-se as perdas aviltantes. Aviltantes posto que são forma perversa de tentar esconder o óbvio: o câmbio flutuante do Brasil quase não flutua. Ou, quase não flutua de acordo com as pressões existentes no mercado. Finge-se que o instrumento para controlar a inflação ainda são os juros, enquanto a hemorragia cambial só aumenta.

A perda de 1,5% do PIB registrada no ano passado é apenas parte das verdades escondidas. A outra parte é o mito de que dispomos de reservas de cerca de US$ 370 bilhões. Se interpretarmos os estoque de US$ 120 bilhões em swaps como um fluxo negativo de capitais que ainda não se concretizou, nossas reservas são de US$ 250 bilhões, ou 30% menores do que nos dizem.


Diante do estado lastimável da economia brasileira, a hemorragia haverá de continuar. Com ela, as verdades escondidas, cada vez mais nítidas.