sábado, 29 de outubro de 2005

Minhas músicas

1. Clássicos. Flagrei uma pessoa bem informada enumerando as melhores músicas, encimadas por canto gregoriano. Isso mesmo: canto gregoriano. Só posso interpretar a lista como um gracejo de gosto duvidoso. Mil perdões a quem gosta de canto gregoriano, mas é surpreendente listar o gênero (não importa quantas variações comporte) acima de Beethoven e Mozart. Sempre perdôo quem coloca J. S. Bach acima desses dois gênios, mas suas missas, tocatas e fugas, sei lá, irmãozinho, não consigo entender o que têm... Vá desculpando o leitor que nunca ouviu a Flauta Mágica, de Mozart, mas quando, no Ato I, a Rainha da Noite começa seu longo solo (5º movimento), culminando naquelas alturas abissais, sempre me emociono. Outro tanto é quando Pamina, no 8º movimento, inicia aquele sobrenatural dueto, que sempre me arrasa (e ao qual sempre volto). Em todos esses movimentos, densa trama musical; escapamos de nossa ordinária órbita e passeamos por regiões eternais. Beethoven, de quem se dizia “tratar a Deus como um igual”, é muito mais grave, como uma feroz rajada de vento glacial. Sua veemência sempre me comove, como no allegro da abertura Egmont (Opus 84). Sua principal obra, a insondável Terceira Sinfonia, está muito acima de minha capacidade expositiva. Ela parece solapar nossa fútil inteligência da vida, e quando nos damos conta, exorbitamos os domínios da morte, em vertiginosos móveis alados. Na Nona Sinfonia em Ré menor percebemos a vantagem de incorporar, no Allegro assai, um fulminante coro, lastreado na conhecida “Ode à Alegria”, de Schiller. O gênio num momento de heresia e consumação. A Sétima e a Quinta sinfonias trazem conforto e inauguram êxtases insuspeitados. Não obstante todas essas indiscutíveis felicidades, a vida de Beethoven foi de uma tristeza sem par. De saúde debilitada e temperamento atrabiliário (seu quadro sugere lúpus eritematoso sistêmico), jamais se casou. Paul Johnson registra esse lamento: “Oh, Dios”, escrivió angustiado, “que pueda descubrir al fin a la mujer que fortalezca mi virtud, y que acepte ser mía”. Surdo ainda jovem, a seu modo ele converteu a música em uma religião secular. 2. Os mudernos. Franz Ferdinand? Libertines? Avril Lavigne? Escutei-os todos. Ferdinand tem músicas bacaninhas. Libertines é como composição de bêbado: só bêbado para achar graça. Avril é bonitinha. Muito bonitinha essa canadense, como o é Vanessa Camargo. Vou confessar uma cousa (é um tanto constrangedor, mas não seria honesto de minha parte omitir): já entrei no site da Vanessa (só no site). É organizadinho, mas a moça se manifesta mediante oráculos, invariavelmente extraídos de músicas sertanejas ou MPB. Consta que Jean (quem?), perpetrou todo um “livro” mediante esse recurso. Quem se importa? Todo ano, um novo “astro”, um novo zé ruela. Grazi há de nos redimir de toda essa sengraceira. The Strokes canta umas musiquinhas legais. É tudo que posso dizer dos caras. Mas e daí? Nirvana não é tão bajulado pelos críticos? Tirando os grandes hits, não mais que três, o que sobra? Kurt Cobain não estaria muito melhor que Axel Rose, sumidão. E o Guns tem mais de cinco composições que considero clássicos atemporais. A grande sacada do violão e do assobio em Patience, e a pululante You Could Be Mine, o competente argumento da guitarrinha em Paradise City e a melosa Sweet Child O’Mine: sempre volto a esses releases do início dos anos 90. A banda do momento se chama Arcade Fire. Não sei quem são esses canadenses e nunca os ouvi. O Lúcio, da Folha de São Paulo, ordenou sua imediata compra, mas estou relutante: seus discos não dão balanço nos sebos que freqüento. Abro agora espaço pra minha banda: Led. Consta que o nome teria sido adotado após alguém dizer que a música deles era “leve como um zepelin de chumbo”. Até os trinta, as músicas que mais me agradavam eram os hits indiscutíveis: Stairway to Heaven, Good Times, Bad Times, All My love e quetais. Lentamente fui migrando para Gallows Pole, Bron-Y-Aur Stomp, Ramble On, D’yer Mak’er (cantada sensualmente por Sheryl Crown, na MTV) e In the Light. Agora prestem atenção aos hinos Going to Califórnia, Since I’ve Been Loving You, Tanhk You e à arrepiante When the Levee Breaks. Indescritíveis. Do Zeppelin, quase tudo vai direto para a estante “clássico indiscutível”. Não iria tão longe a ponto de considerar tudo o se fez em rock, depois do Led, como um grande mal entendido, mas a comparação direta é amplamente desfavorável aos seus sucessores. 3. A cena musical Por fim chego às novidades, sempre urgentes. Tati Quebra-Barraco é minha preferida. “Onde a mocinha encontrou nome tão encantador?” me perguntava, até ver sua foto num jornal. Jesus Cristo! Indisputável que nenhum barraco será sólido o bastante para Tati. Eu estava em casa, pensando que minha vida era uma merda, coisa e tal, e resolvi arriscar um show da Tati. O que posso dizer? Não há o menor risco de alguém confundir suas letras com poemas, que de poema elas têm pouco, mas parece que são eficazes nos subúrbios cariocas. Sou muito grato a Tati: me fez ver que, afinal, minha vida é mesmo uma merda. Suspeito que ela tem uma missão (que não me atrevo a adivinhar). Seja qual for, pouca coisa vai ficar incólume a seu furor fanqueiro. Obs.: voltarei ao tema, já que muita gente ficou de fora. Campo Grande, 29 de outubro de 2005.

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Richard Dawkins

Existem alguns bons motivos para ler Dawkins. Ele escreve para leigos, em linguagem acessível, tem bom humor e não fala as bobagens que as pessoas querem ouvir. Sua idéia mais original é polêmica, entre biólogos. Ele sustenta que a unidade da evolução é o gene, não o indivíduo, e muito menos a espécie. Ou seja: o que sofre pressão para evoluir são os genes, e são eles os favorecidos pela seleção natural. Seus críticos dizem que uma das conseqüências disso é que os seres humanos passariam a meros vetores de genes, alheios a todo desígnio ou intenção. Não vejo assim. Meus genes podem até me dispor para certas coisas, e condicionam minhas escolhas, mas eu ainda me sinto no comando (se é que alguém está). Outra idéia prolífica é a do fenótipo estendido, que considera a cultura como extensão necessária do acervo genético humano. Fenótipo, para o leitor esquecido, é toda a expressão dos genes (genótipo é o código digital de quatro bases nitrogenadas que constitui os genes). O corpo humano é um fenótipo, algo que os genes, concertadamente, construíram e mantêm. Ao incluir tudo que a mente humana elabora como expressão dos genes, magnifica-se o fato de que nestes está a chave para a compreensão da conduta humana, qualquer que seja ela. O enciclopédico E. Mayer descartou as idéias de Dawkins sem ao menos discuti-las analiticamente, o que desaponta. Conforta-me saber que estas linhas não excluem a leitura de Dawkins e seus críticos. Brasília.

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Literatura

O (improvável) leitor pode se perguntar por que perder tempo com Chomsky. Quem se der o trabalho de inventariar as gôndolas de "lançamentos" e "mais vendidos" vai entender o porquê. Os livros agora deram para se chamar "quem comeu meu queijo", "quem tomou minha sopa", "quem comeu meu hambúrguer", quem comeu isso ou aquilo. Desaprovo toda essa comilança. Pior: existem loas a pessoas como Bush, Lula e Chavez. E também críticas (algumas ótimas, outras desnecessárias). Os bruxos, fadas, duendes, elfos, grifos, dragões da maldade e magos agora deram para frequentar academias. Desconfio que algumas pessoas deixaram de considerá-los mitos inofensivos e passaram a acreditar nesse entulho medieval. O soterramento do pensamento criterioso e estético é um risco que não podemos desprezar. Chomsky representa um enorme desafio, porque obriga a pensar, duvidar e analisar. Sigamos com Harry Potter.
P.S.: além dos ataques ideológicos ao pensamento evolucionista, Chomsky foi flagrado em elogios ao genocida Pol Pot. Se for verdade, esse fato, por si só, invalida tudo de útil que Chomsky possa ter produzido.

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Lista de intelectuais

Li, dias atrás, que Noam Chomsky foi escolhido o mais importante intelectual vivo, e que Richard Dawkins ficou em terceiro, por um júri formado por intelectuais de todo o mundo. É difícil falar de Chomsky. Há dois deles. O primeiro é o maior lingüista que o mundo já produziu. Muitas galáxias além de qualquer coisa que eu e você, ótimo leitor, possamos entender. O pouco que penso entender de Chomsky me foi passado por Steven Pinker: ele defende a tese de que a linguagem não é inteiramente aprendida, sendo inata, em grande medida. As crianças, segundo Pinker, não são instruídas em todas as regras necessárias a uma lingagem, mas antes as intuem, mediante estruturas mentais inatas (herdadas). Esqueçamos as estruturas profundas e outras enormidades, e passemos ao ativista político. O segundo Chomsky faz ataques devastadores à política externa norte-americana (e à de seus satélites), absolutamente impiedosos. Veja-se o ataque à política australiana no Timor, ou à política ianque no Haiti, Iraque, África, Vietnã, etc... Seu particular ataque aos Kennedy é capaz de deixar o mais rancoroso anti-americano com pena do clã. Sua visão crítica oscila entre o sombrio e o ceticismo desenganado. No entanto, Chomsky parece necessário. Num mundo de Bush e Putin, Lula e Chavez e Mr. Risadinha (Tony Blair), ele obriga a pensar. Pena que este seja um passatempo tão aborrecido, para tantos. Estou orgulhoso de que Dawkins, decano de Oxford, esteja na relação. É meu mestre em biologia e seu entorno. Seus livros são de uma beleza maravilhosa; um alívio diante da tsunami de livros de auto-ajuda que arrasa o mercado e estiola o pensamento. O cientista, que ocupa a mesma cadeira já ocupada pelo gigante Isaac Newton, tem idéias que nos libertam. Penso que a lista é justa. Brasília, 25 de outubro de 2005.