sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Papai Noel às Avessas

Papai Noel entrou pela porta dos fundos (no Brasil as chaminés não são praticáveis), entrou cauteloso que nem marido depois da farra. Tateando na escuridão torceu o comutador e a eletricidade bateu nas coisas resignadas, coisas que continuavam coisas no mistério do Natal. Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos, achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender. Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças (no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada) e avançou pelo corredor branco de luar. Aquele quarto é o das crianças Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos soldados mulheres elefantes navios e um presidente de república de celulóide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo no interminável lenço vermelho de alcobaça. Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.

Os pequenos continuavam dormindo. Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo. Papai Noel voltou de manso para a cozinha, apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros em decadência, estudou na cidade de Belo Horizonte e com os jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de onde foi expulso por "insubordinação mental".