segunda-feira, 14 de maio de 2012

H.Stern

Sempre que passo em frente, entro. Não é nada, é só um cacoete. Os vendedores, temerosos, perguntam, entre nervosos e maravilhados ante a visão de um pobre:

- Ppppois não?

Meu procedimento é simples: inspeciono os relógios, dos mais simpáticos aos mais caros. Naturalmente os vendedores tentam sonegar a linha safira, com seus azuis cobalto e ouros ditosos. Exijo vê-los.

Aproveitando a receptividade, e ao ensejo de um exame rigoroso, me ponho a funcionar:

- Quero água quero água quero água.    

Água depressa se providencia, para abafar o escândalo. Relógios descem ao parecer mais judicioso.

- Chocolates, café, chocolate, café, belgium chocolate, biscoitos...

Enquanto águas, chocolates, chás e biscoitinhos vão deliciando, fiscalizo os relógios, sua relativa eficácia em registrar as proezas do tempo. 

Sobre não ser linear, o tempo é trêmulo, torto e propenso a cantorias, ébrio elementar; roliço e namorador, dá cambalhotas, estatela nas imediações da realidade, e dança. Não gostaria de denunciar todas as iniquidades do tempo, nem acredito seja esse o propósito do leitor mais sóbrio. Basta dizer, com Drummond, que o tempo é o mais cruel dos escultores, e trabalha no barro.

As múltiplas dimensões espaciais, posto franquearem a existência de mundos paralelos, não são nada, comparado à quase inadmissível idéia de multiplicidade temporal. Com apenas uma dimensão, posso me deslocar para o futuro ou para o passado; devagar, ao longo do presente - que é maneira mais econômica de viajar - ou aos saltos. Com duas ou mais possibilidades simultâneas de deslocamento ao longo do tempo posso dar saltos pra frente, pra trás, para os lados e também para fora do tempo, subtraindo-me à sua passagem e reaparecendo em qualquer ponto que me agrade.

É uma idéia poderosa, convenhamos, negociar os poderes do tempo, ponderar-lhe as incidências.         

Os vendedores, que renunciaram à pobreza na admissão de suas funções, saciam a curiosidade: é um pobre, diga o que disser a propaganda, ainda temos pobres no Brasil!

Refeito, amoedo algum tempo comigo - para o caso - e me vou, nem triste nem alegre, apenas mais roliço.