sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Equipagem

Conquanto minha sandália tenha se desmanchado em minhas mãos, e vendo as rochas magoarem meus pés, resolvi comprar uma dessas sapatilhas de mergulho.

Nas acolhedoras ilhas Cook encontrei um dispositivo chinês, por uma fração do preço sugerido em Papeete. O fato de ser alguns números acima do meu nao me preocupou, nem surpreendeu, já que os descendentes de canibais destas ilhas são caras bem grandes. E lá estava eu, pelas praias e mangues da gigantesca laguna de Aitutaki, chapinhando com meu próprio barco de casco duplo.

Os nativos, hilariados, logo se punham a entoar uma musiquinha, que o leitor vai reconhecer nesse lindo poema:

Alô criançada, o Bozo chegou, trazendo alegria...

As aventuras com os excelentes produtos chineses continuaram. No segundo mergulho, a presilha da nadadeira foi ao mar e se perdeu. Num breve momento McGyver, usei clipes de papel para devolver a nadadeira à operacionalidade e saí pelas praias completo: snorkel, nadadeiras, câmera e sandálias. Os ilhéus achavam aquilo tudo desnecessário, afetado, e se punham a cantarolar:

Alô criançada, o Bozo chegou...

Aitutaki, a 45 minutos de vôo de Raro, e uma ilha baixa, com uma das mais belas lagunas do mundo. Navegamos um dia inteiro por suas aguas turquesas, azuis ou verdes, a depender do ângulo do sol e da profundidade. Tem águas protegidas por uma coroa de corais, ultracalmas e plenas de vida.

Presenciei ainda um pôr-do-sol memorável, que registrei, e visitei ótimos restaurantes, para ter notícias da culinária local.

Aitutaki foi palco de batalhas entre americanos e japoneses, que disputavam a propriedade da bacia do Pacífico. Os primeiros ganharam, para sorte do povo japonês. Tanques ainda jazem, despedaçados, nas praias externas, e lentamente se integram ao oceano.

Raro, 4.12.10.

Moorea

Festa do staff do hotel Hibiscus. Eu e um casal francês fomos convidados. Intimados a provar os coquetéis preparados pelo chef (pelo menos uma dúzia), me entusiasmei com dois. A festa continuou com vinhos, cervejas e música, de melodias bem simples, estilo God Save the Queen, mas cantada de forma apaixonada.

Meia dúzia de funcionários formaram uma roda, cada qual com um instrumento. O capitão (eu havia estado com ele na festa dos tubarões e raias, já relatada) tocava um baixo feito com cabo de vassoura, um balde grande, de limpeza e linha de pesca.

Provei, pela primeira vez, a fruta-pão, que se assemelha a... pão. O Mahi Mahi é um peixe saboroso.

Como eu estava caindo de sono, migrei mais cedo para o bangalô, enquanto os convivas se derramavam em cantorias e vinhos.

Viva a vida!

Casamento em Cook

Cerimônia simples, em dois idiomas. Eu e o casal australiano por testemunhas de ultramar. Convidados de última hora, exibíamos uniforme de turista e a pele tostada.

Comida típica farta: carne de porco deliciosa, assada.

Terminada a cerimonia, e a comilança, a noiva foi levar o casal australiano ao aeroporto.

Tikehau

Atol preferido de quem conhece o Pacífico, foi a maior coleção de uaus! da viagem.

Aqui, no atol com a maior densidade de peixes do mundo, nas palavras de J. Costeau, fiz meu mergulho, finalmente. Tubarões grey nos saudaram e nos rodearam. Eu estava com o instrutor, então, não quis ser rude com esses caras. Eles subiam e desciam num balé circular, tendo-nos como centro.

Não eram gigantes, mas eram grandes o bastante para nós!

E que beleza de movimentos. Não há nada mais ameaçador e excitante que grandes tubarões dando voltas sobre sua cabeça...

Sensação indescritível. Além de tubarões, a fauna estupenda, incluindo o enorme peixe Napoleão. Ele te encara com o olhar mais perplexo do mundo, dá umas voltinhas e segue seu caminho.

Num dado momento descemos até um tubo cavernoso, e avançamos através de um cortinado iridescente de peixes, que foi ondulando, admitindo a nossa passagem.

Estávamos a quase uma hora submersos naquele sistema de sonhos, e meu combustível chegou ao fim.

Depois, sobrepairando de snorkel, vi outros tubarões, menores, rodear os três mergulhadores, que foram embora. Eu fiquei e, como os tubarões também me viram, tratei de ir puxar assunto com o capitão, que a essa hora dormia, com o braço fora do barco, na água.

No caminho, topamos com uma raia manta migrando pelo laguna, e a cumprimentamos, do barco.

Sharks

Alguns leitores me mandaram mensagens apontando problemas com os relatos envolvendo tubarões.

Não me entendam mal: eles acreditam na narrativa (correta e verdadeira), e até gabam a coragem de enfrentar tão formidável fera (eu entendi que eles referiram a coragem dos tubarões, mas enfim). Aproveitaram para acrescentar novos episódios, que eu havia esquecido (ou omitira, por modéstia ou pudor) e elogiaram os gentis socos ministrados nos focinhos insolentes.

Ao parecer o problema é o estilo.

Já outros relataram imprudência na exposição dos fatos; que o texto de modo algum padece de um excesso de verossimilhança, e me admoestaram a não mais fatigar o leitor com feras insatisfatórias.

Seja como for, hoje, em Tikehau, encontrei novos tubarões, e eles não estavam mais amistosos, nem mais prevenidos que os últimos.

Eu tirara uma soneca na varanda, após o vôo. Os peixes faziam uma reunião bem debaixo de minha sala de estar. Coisa importante, porque durou a tarde inteira. Eu desci para investigar.

Tinha uns carinhas dando voltas, aparecendo aqui e ali, e todos se gostando daquelas improbidades. Não gostei de estar no centro dessas voltinhas, nem de os demais peixes terem sumido. E o número de tubarões só aumentava.

"Ara, sô! Acaso terei de ensinar a arte de bem receber a esses patetas?".

Como a bateria da câmera se acabara (e só por causa disso), subi, para um banho morno e a entrada do sol no mar.

À noite, nova convocação de peixes, com os meus pães.

Bora e sharks

Pura diversão.

Duas horas ao mar, após um soberbo prato de preciosos camarões com espaguete. Eu vinha cuidando que as montanhas de Bora não me escapassem, quando percebi uma festa particular do sol no terraço do barco. Figurei um amarelo exorbitante, um excesso de ouro, e os tons laranja instalados no azul demasiado.

Quando chegamos ao porto a alucinação se consumava, e registrei esse drama.

Bora é o que há. Laguna e motanhas em mil tons, e que tons...

Sharks.
Novo encontro. Um canadense confirmou o que eu venho dizendo: parece que temos, funcionando nos Mares do Sul, uma coalizão de tubarões. Contra mim.

De fato a testemunha acima presenciou quando um tubarão desacatou esta minha nobre pessoa, vindo com tudo pra cima. Como eu estava num aprazivel excursão, fotografando a vida marinha, limitei-me a outorgar-lhe um gentil soco no focinho. Não fosse aquela uma excursão familiar e o sushi do almoço seria antecipado.

O passeio continuou, em meio ao infinito turquesa-verde-azul. No Tahiti, quando o sujeito fecha os olhos, à noite, vê-se num confuso balé de raias carinhosas, e teme ir ao banheiro, porque o chão usualmente está atapetado de raias risonhas.

Como todo turista dessas bandas sabe, o procedimento delas é chegar pelos flancos, ir subindo com carinhos, dos ombros até o rosto...

E é isso.

Maupiti

This is it, this is the one.

É o que se diz, quando se chega a Bora. Foi o que eu disse, quando desembarquei em Moorea (Bora é o proximo destino).

Hoje, em Maupiti, um encontro. Fui deixado em um motu deserto. Da praia alguns cachorros me saudaram, sem entusiasmo. Comecei a mergulhar, e logo senti a forte corrente puxando para o oceano, para a passagem que serve de "rodoviária" entre a laguna e o mar aberto.

De repente, um tubarão limão. Não era grande, mas era um tubarão. Não gostei do jeito pouco respeitoso como ele me encarou. Estou acostumado a ser respeitado e temido onde chego e, bem, isso não estava acontecendo. "Esse cara não me conhece. Nem de tubarão estou gostando, ultimamente", pensei.

Uma voltinha, nova encarada.

Sabem, eu já tinha encontrado alguns desses caras em Moorea, e estava acostumado a ser acatado.

"É um adolescente. Terei de ensinar bons modos a esse rapaz". E, com efeito, parti para cima do bicho, numa investida arriscada, que ele antecipara.  Munido de um galho adrede recolhido nos recifes rasos, golpeei a pobre criatura no focinho, pondo fim à atitude insubmissa. Esse cara achou que podia me desacatar, mas eu mostrei que ele estava errado!

P.S.
Aos leitores que se sentiram pouco à vontade com o relato acima, tendo enxergado certas dificuldades no correto manejo de animais marinhos, ofereço a narrativa abaixo, sem prometer que seja mais verdadeira (cabe uma escolha):

Eu estava saindo de um recife, indo para uma faixa de areia rasa, quando vi uma raia (stingray). Era grande, e éramos só eu e ela em toda a extensão do motu. Uma coisa é alimentá-las no lagunário de Moorea. Outra é encontrar uma sozinho, sem peixe para oferecer.

Olhei as rotas de fuga, conferi os clipes das minhas nadadeiras e saí em disparada rumo á praia, sob o olhar desaprovador dos cachorros. Nisso, a raia tinha dado meia volta e continuava sua patrulha pelas águas rasas.

Moorea

Tipo assim, totalmente sem noção! Fala sério, gente. Se isso aqui não é o paraíso, é pelo menos sua mais convincente imitação.

Montanhas, com florestas até o topo, descem ao mar, que principia por praias de areia alvissima e segue por águas turquesa.

Mergulhei com raias e tubarões, ontem. As raias são brincalhonas, fazem carinho. Uma delas provou minha câmera, mas o sabor não lhe agradou (talvez não seja sua marca predileta).

Os tubarões são ariscos, ficam por perto, dão umas encaradas e vão embora (certifique-se de que eles realmente estejam indo embora, leitor.)

Conquanto Moorea tenha o melhor spa do mundo, os restaurantes daqui vão fazer você sair da linha, com certeza. E Hauru Point, onde concentrei meus negócios, é o centro da gastronomia de Moorea...

Peguei uma Scooter (ainda com a licenca de Cook Island) e fui dar umas voltas por aí. No caminho achei um mercado que vende queijos e vinhos franceses fascinantes. Com uma baguete crocante, os queijos foram sorvidos suntuosamente.

Praias paradisíacas, com queijos e vinhos franceses: esses polinésios não são nada bobos...


Moorea, dezembro de 2010.