domingo, 26 de dezembro de 2004

Auckland

Estou na Nova Zelândia (Auckland, maior cidade - 750 mil habitantes). Pretendia partir hoje mesmo para o sul, para Waitomo e Rotorua, mas é feriado por aqui, e as coisas não funcionaram. Parto amanhã (o pessoal do hostel conta com isso - até já anteciparam o bota-fora. Onde vou, é sempre a mesma coisa: as pessoas se entusiasmam com a minha partida). Deixando o entusiasmo de lado, relato agora o incidente da banana. Um cara esqueceu uma banana na mochila. Em Auckland, há detectores com raio-X na chegada, e a banana foi descoberta. Os bons funcionários não tiveram dúvida em aplicar duzentos dólares de multa ao infrator, sem conversa. Não sei se esse dinheiro vai chegar as cofres públicos. A penalidade é intrinsecamente injusta e desproporcional à "infração" mas, sabem como é, uma pessoa à uma da madrugada não está em condições de raciocinar com argúcia, e o dinheiro teve de ser pago. O dado que me chamou a atenção, meditando sobre isso, é que não havia, em nenhum impresso, o artigo de lei ou norma administrativa estabelecendo a penalidade, suas formas de cobrança e contestação. Então, pode ter havido abuso, muito comum contra pessoas em desequilíbrio de informação (essencialmente, essa é a situação de um turista). Sei disso tudo porque a pena foi imposta a mim, mas são coisas da vida de um aventureiro. Já conheci duas pessoas que falam português na Nova Zelândia, contra nenhuma na Austrália. Um recorde! Estou me sentindo em casa. Raquel é a própria simpatia. Neozelandesa, já morou em São Paulo e Florianópolis. Ela tem uma fala deliciosa, com gírias de Floripa e jeito de brasileira nata. Até a próxima. Auckland, 26 de dezembro de 2004.

sábado, 25 de dezembro de 2004

Kakadu Park

Uma coisa aprendi na Austrália: não falar mal dos ingleses. Em cada ônibus, avião ou bar, metade dos circunstantes será inglesa. Melhor não se meter com eles, leitor. Não é que na minha excursão havia um inglês? O Parque Nacional Kakadu é o maior da Austrália. Um lugar tão grande... tinha um inglês por lá, of course. Quem contempla-lhe o rosto tem a nítida impressão de que, inadvertidamente, entrou no desenho The King of the Hill, com todos aqueles personagens anódinos e inverossímeis. Um rosto gigante, mal decorado por uma boca pequena, de onde saiam palavras bem pequenininhas. Não se compreende a produção de um rosto com tão poucos e desusados traços. Censuraremos a natureza por tanta avareza? É possível um rosto com tanta economia de linhas? Essa mesquinhez me pareceu excessiva. Se Nicolai Gógol precisasse descrevê-lo, é quase certo que diria: “É de conhecimento geral que no mundo existem muitas dessas faces, na feitura das quais a natureza não quis dar-se muito trabalho, não usou nenhum dos instrumentos finos, tais como lixas, brocas e quejandos, mas simplesmente desceu a machadinha com toda a força: uma machadada, e saiu o nariz, outra, e resultaram os lábios; com dois movimentos de verruma grossa, fez os olhos, e soltou o resultado sem lixá-lo, para o mundo, dizendo: ‘vive!’” ¹ Não tenho a autoridade de Gógol, e jamais empregaria essas palavras, que poderiam ser mal recebidas pelos ingleses, um povo distinto. Contudo antipatizei logo de cara com aquele inglês, de várias máquinas fotográficas (uma delas igual à minha), no que fui logo correspondido. Vejam suas peripécias. À falta de cadeiras, ele puxou uma mesa, para sentar-se junto à fogueirinha após o jantar. Ali equilibrou primeiro uns 90, depois vigorosos 120 e, finalmente, todos os 190 mimosos quilinhos que Deus lhe deu. Como uma simples mesa suportou, não sei dizer. Sentados em cadeiras ou em mesas, ouvimos todos o guia tocar uma espécie de berrante do Território Norte: um cilindro que já deve ter sido de madeira e hoje é de fibra, de onde sai um som grave e enjoado. O sujeito passa horas entoando esse som, ininterruptamente, o que exige paciência. No dia seguinte, subimos a uma cachoeira, coisa de uns 80 m de queda livre. O tal inglês ficou conversando com Esther (a holandesa) lá em cima; o sol nos presenteava com plasma ardente. Ligeiramente preocupado com os 60° C, que cozinhavam os miolos, fugi, para uma fonte d´àgua, para refrigerar as idéias. E foi lá que presenciei a seguinte cena: vinha o econômico inglês, na fresca, sem camisa, quando engoliu uma mosca. Isso mesmo, uma mosca (não existe falta delas por lá). Após estremunhar e correr pra fonte d´água, ouvi esta fórmula, lacônica: - Like a suicide! Como um robusto inseto daqueles foi parar na pança do inglês, não posso dizer. Houve boatos de que todos aqueles galantes quilos premeditaram o acidente. Uma das versões dava conta que a defunta se aproximou imprudentemente da boca do inglês, sendo apanhada numa corrente de ar que a adentrava justamente naquele momento. Não acredito nessa versão, e o que eu não faria para punir seu autor. Solidarizei-me com o inglês, claro, tão logo pude controlar o riso, horas depois. Ele aprontou outras, mas não seria justo com os súditos de Sua Majestade ficar detalhando essas histórias. Darwin, dezembro de 2004.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

Natal em Sydney

É Natal, estou de volta a Sydney, após quase um mês pelo outback e costa australiana. Chove e faz um pouco de frio (nem tudo é perfeito). Um ótimo Natal a todos, desejando-lhes saúde, paz e prosperidade, sem querer ser original. Grande abraço.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Brisbane

Estou em Brisbane (de novo). Fui a Fraser Island, ilha muito bonita, mas tivemos dia nublado. Fraser, assim como Brisbane, fica em Queensland, estado do nordeste australiano. Terminei há pouco minhas andanças pela cidade. Brisbane tem um rio (de mesmo nome) que corta a cidade e é magnífico. Sua arquitetura e urbanismo são fascinantes. Agora uma pequena história. Intitula-se o caso da sandália. Ocorre que, após 3 semanas de andanças, meus pés já não toleram nada senão sandálias havaianas. Estão latejando, e ameçam deixar-me ir sozinho. Fui a uma pequena ilha chamada Fitzroy, a 50 minutos de Cairns. Lá chegando, a primeira coisa a faser foi dormir, ao som do mar, à sombra de uma enorme árvore. Ao acordar, foi como se tivesse começado a sonhar: ou meus sentidos me traíam ou uma moça estava fazendo topless na areia, bem à minha frente. Se era sonho, devo dizer que foi dos mais bonitos que já tive. Todavia, certifiquei-me de que era realidade, e para não constranger a moça, fui caminhar pelas pedras. Casualmente, para ir às pedras, era preciso passar por ela. As pedras estavam áridas, e desinteressantes, como sói acontecer com pedras, então voltei, passando em frente à sereia, que a essa altura apenas incrementara sua posição. Alguns passos mais, percebi que perdera minhas sandálias nas traiçoeiras pedras. Como uma coisa dessas aconteceu, não sei, mas, contrariado, tive de voltar. Como houvesse esgotado o número de vezes que podia passar pela moça, ocorreu-me tomar um atalho, pela mata. Esse caminho me levava para trás de onde a moça expendia seu charme. Adentrando a mata, umas irritantes folhas secas me denunciaram, e a pobre francesa acabou suspeitando de que estava às voltas com um tarado, talvez tentando fotografá-la. Eu jamais pensaria numa indignidade dessas, deve ser dito em minha defesa. Felizmente, após uma pequena procura, achei as chinelas, caídas nas amaldiçoadas pedras. Muito feliz por retormar aquele caminho, voltei, mas a moça se tinha ido. Depois nos encontramos, numa praia menos liberal, e o episódio das sandálias foi abafado, segundo me pareceu. Foi a primeira vez que perdi minhas sandálias nesta viagem, e espero estar mais atento da próxima vez. Se cuida, gente.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

Cairns

G'day, people! Cheguei a Cairns! Depois da sauna do Território Norte, da poeira e do calor de Alice Springs, nada melhor que a tranqüila Cairns (nordeste da Australia). Hoje acabou a rotina de passeios começando às 4 da manhã. Fiz algo totalmente diferente. Mas tão violentamente radical que ninguém suspeitaria fosse possível: lavei roupas. Isso mesmo, lavei roupas. Fazia tempo que não me dedicava a atividade tão interessante e divertida (acreditem, depois de 20 dias fazendo passeios seguidos, lavar roupa pode ser uma terapia). Contudo, se houve entusiasmo para lavá-las, nem tanto para passá-las. Sabem como é: precisava sair para conhecer a cidade e tal. Ademais, lembro que é uma ofensa o sujeito chegar a um albergue com a roupa engomadinha. Lavada a roupa, saí. Bem em frente ao hostel está o maior shopping center do nordeste australiano. Entrei e comi uma comidinha tailandesa (voltei às experiências gastronômicas). A carne estava boa, mas o frango tava chegadinho numa pimenta. Depois, fui andar à pé pela cidade. No caminho (uma espécie de calçadão), um show de moda sertaneja australiana. Depois, a praia, com mais show pop. Por fim, pizza e cerveja Cascade, que ninguem é de ferro. Na volta, mais show, dessa vez de acrobatas, e parece que tem uns batistas cantando alguma coisa agora. Ontem, escrevi diversas coisas no blog, mas a moça desligou minha máquina sem me avisar, e perdi tudo. Seja como for, aqui vão algumas histórias. 1. Na viagem entre Melbourne e Adelaide, conheci Christy. Ela tem grandes olhos azuis e uma respeitável boca, pronta para soltar um enorme oh! woooowwwww! a cada resposta. Ela esteve no Laos, Vietnã, Camboja e na Tailândia, infelizmente com o namorado. Você é brasileiro? oh! woooowwwww! mora em Campo Grande? oh! woooowwwww! trabalha para o governo? oh! woooowwwww! mora sozinho? oh! woooowwwww! A cada oh! woooowwwww! um pequeno carnaval. Vocês não acreditariam na expressividade dessas inglesas. E quando elas soltam o infalível oh, really? Inaugura-se um pequeno escândalo em torno ao que deveria ser uma simples e útil expressão inglesa. Vocês não sabem o que elas fazem entre o r e o y. Até o actually elas pintam em cores irrepetíveis. Não terminei essa história porque fui traído por um botão que parecia ser de mudança de tamanho de fonte mas era um botão que, mais ou menos, queria dizer fechar-tudo-acabar-com-tudo-desligar-a-máquina-e-ir-pra-casa-e-se-enfiar-deibaixo-da-cama. Uma tecla incomumente poderosa. Então tchau. Depois tem mais. Baci Baci, conforme as italianas. Cairns, dezembro de 2004.

terça-feira, 14 de dezembro de 2004

Darwin

Olá, gente. Agora, um pequeno relato da viagem. Acordei às 2:30 da madrugada para o vôo de balão. O balão não voou, claro que não (por causa do vento. Mas como diabos uma coisa dessas foi acontecer - ventar?), e fui ajudar uma moça suíça que perdera o namorado num bar. Tava bebendo, conversando com os amigos. Não voltou. Lá fui eu, e ela, atrás do vi... cara. Encontramo-lo sentado a uma mesa, o bar já fechado, luzes apagadas, o último funcionário p. da vida, indo embora. Após uma conversa, ele se deixou estar, e nós voltamos. Pelo menos a suíça ficou mais aliviada. Depois fui dormir, coisa que não fazia, de forma decente, havia umas três noites. A última noite foi assim: em sacos de dormir, no meio do deserto, com o nariz apontando para as estrelas. E que estrelas. Vocês não vão acreditar no poderio das estrelas daqui. São as mesmas do Brasil, mas o ar seco e limpo do deserto faz com que seu brilho seja ensurdecedor. Parece um insensato concurso de holofotes. Daí acordamos e fomos ver o nascer do sol na rocha Uluru. É de enlouquecer. Depois, café e estrada. Duas horas depois, King Canyon, lugar belíssimo, que exigiu 4 horas de vigorosa caminhada. Gastei uns 3 filmes nesse canyon, de larga beleza. À tarde, estrada, num calor sufocante (o patife do motorista, alegando economia, desligou o ar condicionado. Para meu pasmo, os demais turistas não reclamaram dessa esperteza). Daí, de volta a Alice Springs, a tempo de um jantar numa boate da cidade, com direito a brincadeiras de locutores e DJs. Depois, vôo para Darwin, território localizado no extremo norte da Austrália, um lugar parecido, no clima torridamente tropical, com Manaus e Belém. O ar é tão denso que pode ser fatiado, em fatias quentes. Haja garrafas d'água. Depois eu conto mais.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

Austrália

Troquei a chuva torrencial e ininterrupta de Adelaide pelo calor abrasador de Alice Springs. Vocês me viram reclamar do sol de Sydney? Esqueçam. O sol de Alice é como se o próprio demônio estivesse pururucando sua pele. Sobre Adelaide, resta apenas dizer que parei com os restaurantes indianos, tailandeses e similares, por ora. Toda aquela pimenta estava me deixando muito emotivo. O vôo foi ótimo: 2 horas sobre o deserto, inclusive Woomera, área usada para testes nucleares, segundo consta. Você tem de pagar pelo lanche, durante o vôo. Os comissários parecem mascates disputando a comissão de uma cerveja. Conclusão: não confiem em Virgin. Prefiram Qantas. Chegada a Alice: Aeroporto pequeno, sol arrazador. Após acertar o vôo de balão para a terça-feira, fui a um deserto em miniatura perto da cidade. É uma espécie de zoológico, só com animais do deserto. É bem completo, e tem enormes cangurus e emus (não confundir com as emas sul-americanas, nem com o casuar, restrito a extremo norte. Todas essas aves se parecem, no geral). O deserto é de um vermelho vivo; o sol demonstra singular competência e a temperatura fica acima dos 35° C, à sombra. Assisti, ainda, a uma demonstração de falcoaria, com aves bem adestradas. Bacana, mas algo artificial.
Agora a cidade: é pequena, com ar de interior, mas tem todo o conforto de cidade média. existem enormes blocos de pedra ocre entre as casas, e o deserto espreita. Segundo os mapas, ela é cortada por um rio, mas dele só existe a areia e as pontes. Desolador. A cidade não tem o charme de El Calafate, nem o excessivo rigor agreste de San Pedro de Atacama. É uma típica cidade australiana: limpa e urbanizada, mas povoada de aborígines que perambulam feito fantasmas-mendigos, andrajosos, pelas ruas e shoppings. Amanhã acordo às cinco e seguirei para Uluru. Não é fácil a vida de turista.
Depois eu conto mais, que o tempo tá se acabando. Beijos (para as meninas) e abraços,