domingo, 14 de março de 2010

Armínio Fraga

Armínio, um dos melhores economistas que o Brasil já teve, fala ao Estadão de hoje:

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e uma das figuras mais destacadas do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, está preocupado com a "mexicanização" do Brasil - controle pelo Estado de diversos setores da economia, reforçado por laços com empresas monopolistas e oligopolistas.

A seguir, a entrevista com Fraga, que hoje dirige a Gávea Investimentos, empresa de gestão de recursos.

Quanto o sr. acha que o Brasil pode crescer daqui em diante?

Sem aumentar a taxa de investimento e melhorar a educação, acho difícil passar de 5%, e nem sei se 5% é sustentável. Mas acho que há espaço para a taxa de investimento crescer e a educação melhorar. Nesse caso, a economia aguentaria crescer a uma taxa maior, por mais tempo, algo em torno de 6% a 7%.

Como o sr. vê a atual discussão sobre o papel do Estado?

Não acho que se deva dispensar o Estado. Acredito num Estado presente, ativo, cumprindo seu papel. Mas há uma certa expectativa de que o Estado resolva tudo. Meu receio, no campo político, são alguns traços de doenças do Estado, de ocupação do aparelho de Estado, que me incomodam. Não é questão de Estado mínimo ou máximo, mas de Estado ocupado. É o medo de uma mexicanização.

O sr. poderia explicar melhor?

No México, os governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) tiveram, durante décadas, o controle do aparelho de Estado, nomeando juízes, controlando vários setores da economia. É algo que deixou consequências até hoje. E, nessa situação, quando o governo não controla diretamente, ele cria ou facilita o surgimento de monopólios, que ficam próximos do governo. É um modelo que também inclui um certo pacto com os sindicatos que, no caso do México, no campo da educação, tem sido um desastre. Um modelo meio nacionalista, no mau sentido. Claro que tem um modelo muito mais radical, muito pior, que é o da Venezuela, que está em péssima situação.

Como assim?

Acho que o País voltou a sonhar com um modelo da década de 50 ou de 70. E as pessoas se esquecem que esse modelo, mesmo sendo importante na fase de industrialização e de construção de infraestrutura, também gerou um megaendividamento público, esqueletos e abriu espaço para a corrupção. Isso tem um preço. Não foi um modelo que nos colocou numa trajetória de convergência para os melhores padrões de vida do mundo. Nos fez crescer durante um certo período, mas depois se esgotou. Outra questão preocupante é que há no ar uma sensação de que o indivíduo não é importante - falta preocupação com educação, com empreendedorismo.

Qual a sua opinião sobre a proposta de reativação da Telebrás?

É incompreensível para mim, num setor extraordinariamente bem-sucedido. Não vejo razão para criar nada. Se o governo quiser subvencionar pesquisa ou expansão em regiões que não justificam economicamente a curto prazo, ele pode fazer, colocar no Orçamento, que tem recursos finitos, e aí essa política vai disputar com outros usos do dinheiro, como água, saneamento ou infraestrutura que é um problemão no Brasil. E aí se vê o que tem mais retorno social. A questão é sempre colocada na base de se dizer que "esse investimento é bom", mas outros investimentos também são, e gritam para ser executados. O governo tem de decidir, não dá para fazer tudo.

Qual a sua visão sobre a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Como viu o episódio recente do apoio a Cuba na ocasião da morte de um dissidente em greve de fome?

Isso assustou todo mundo. Que coisa, que mania! O que há de tão bom numa ditadura? Não consigo entender. Tem gente morrendo lá, qual é a graça? Não entendo o excesso de apreço ao Hugo Chávez (presidente da Venezuela) e ao Mahmoud Ahmadinejad (presidente do Irã). Acho de mau gosto e politicamente estranho uma aproximação tão grande, tão alegre, com esses ditadores e quase ditadores, que não trazem nada de bom e podem até prejudicar o Brasil no mundo comercial. Daqui a pouco vão inventar nos Estados Unidos e na Europa mais restrições a nós em função dessa política. Isso é diferente de um diálogo sóbrio com todo mundo, de uma política externa independente, voltada ao interesse nacional. Também acompanhei essa tentativa de introduzir um certo controle à imprensa, à educação superior - são cacoetes que vejo com certa preocupação. Dá impressão que existe uma usina de ideias desse tipo, o que me incomoda.