domingo, 12 de março de 2006

Scarlett e Coutinho

O português João Pereira Coutinho mobilizou toda uma coluna para desancar Scarlett Johansson, linda atriz norteamericana. Argumenta com uma suposta falta de classe, além das restrições de praxe à atuação da moça. Injustamente ele a compara a mitos como Audrey Hepburn e (suprema injustiça) Ingrid Bergman. Pobre Coutinho! As divas do passado são a alegria da arte mas, falar mal de Scarlett, Liv Tyler ou Cate Blanchett, bem, eu não gostaria de viver num mundo sem elas. Em tempos perpetrei o seguinte desatino: a trama de sentimentos de uma mulher é o ermo onde erram, pelos séculos intérminos, o coração dos homens, enjaulados, trespassados e famintos. A humanidade tem um patrimônio intangível que é o sorriso das mulheres. Pense o leitor no rosto de Charlize Theron. Os olhos da sul-africana expendem azuis capazes de reformar os arquivos do céu. Não me ocupo só do azul, mas também da meiguice, que induz devastadores incêndios sensuais. Talvez nem haja azul, e tudo é invenção minha, numa aprazível insanidade. Uma revista fixou-me os irrenunciáveis olhos verdes de Charlize. Tão verdes que parecia revogada toda a minha necessidade do Taiti. Que sabemos nós da cor dos olhos de uma mulher, se eles piscam e nos desmoronam? Se conseguirmos descer um pouquinho, encontraremos outras felicidades: o narizinho de fada, e a boca. Nenhuma prevenção vai nos livrar de urgente paixão por aquela boca. As várias formas de sorriso da moça, longe de apaziguarem, atentam contra nossa saúde mental. Se o sorriso é largo, vêem-se os dentes, no claro intento de triturar nossos corações. São grandes, perfeitos e, num beijo, é vedado tentar sobreviver. Se o sorriso é contido, melhor sorte não nos socorre. Acontece que o rosto, desenhado em leve e sensual auto-ironia, zomba de nossas tentativas de entender-lhe as festas. Em pacotes discretos, e sorriso de Charlize é arma muito mais impiedosa que o sorriso desabrido; sem a intervenção dos alvos dentes, me parece que nosso consumo é ainda mais certo. Muito diferente do sorriso de Audrey Hepburn, único império num corpo todo frágil. Audrey é toda graça, toda França, toda Tiffany. Agora, leitor, pense no rosto de Naomi Watts (mas eu poderia dizer Jessica Alba, Halle Berry ou Michelle Pfiffer, sem merecer censura). É difícil não pensá-lo. Sou perseguido por aquele rosto e aquele corpo de ninfeta, por toda aquela australiana. Bem diversa da indisputável (mas casta) beleza da havaiana Nicole Kidman. O inferno dessas ilhas do pacífico são essas deusas remotas. Quantas noites Naomi (e suas amigas) me arrastaram de sonho em sonho, deixando-me em ruínas. Quantas noites, após vagar de sonho em sonho, levado pelas promessas, pelos rumores de Naomi, acordei em sibérios lençóis, e ela se tinha recolhido à quadratura dos filmes... Kylie Minogue, atentada, ordenou e eu comprei seu DVD, e muitas outras coisas teria feito, agradecido, se ela ordenasse. Às vezes penso que Kylie é um artefato digital, inventada por algum demônio. Cada mulher é um continente. Suas sombras, seus desertos, seus vastos mares: de todo aconselhável se perder numa mulher, mapear seus sonhos. Necessária toda uma vida para descobrir-lhes as primaveras, as dorsais; as bacias, seus cursos e intercursos. Muitas mulheres não têm paciência com os homens, o que é deplorável. Somos bem devagar mas, com mapas, carinho e dicas, chegamos ao ponto necessário, ainda que com alguns dias, meses de atraso. Falar mal de Scarlett? Pobrecito! Eu bem que o condenaria a viver num mundo só de quebra-barracos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande Gérson,
Continuo em débito com você, pois não lancei a termo minhas impressões sobre seu texto. Farei isso em breve, mas estou prestes a realizar a terceira cirurgia bucal desde que retornei de viagem do Canadá (ah! Você estava lá!). Uma danada glândula salivar obstruiu-se e formou um cisto que teima em ressurgir cirurgia após cirurgia. Chamo o danado, carinhosamente, de "leprinha do Ganges", embora tenha certeza de que nenhum indiano teria ousado cuspir no meu prato. Um grande abraço,
Júlio César (Rumo a Jeri. Depois rumo a Cuba, com ou sem cisto).

Manelim disse...

É issaí, não é mesmo?

Confesso que quando vc falou em cirurgia bucal, pensei logo em pesadas barras de chocolate Meiji no fundo da mala, longe dos olhos do companheiro de viagem.

Agora vem vc insinuando que algum indiano rogou praga (se é que não se encarregou ele mesmo da praga...)

Fique sabendo que nossa amizade está por um fio, por conta desse apelido, pouco elogioso, "leprinha do Ganges".

Não seria o caso de vc consultar o Said? quem sabe ele te indique um médico de confiança...

Seja como for, divirta-se em Jeri. É um lugar especial, na minha opinião. Seu pôr-do-sol do alto da duna é difícil de igualar.

Também vou a Cuba, algum dia. Depois vc me conta os melhores lugares...

Um abraço.