quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Caixa Postal

Abro a caixa postal na expectativa de temperar matéria viva com esperança. Mas de lá, sei, saltam selos, logotipos, divisas duras, a nódoa comercial. Detetives, banqueiros, estatais, o sapateiro, alfaiates me querem, em pessoa ou na forma promissória. “Compre, adquira, receba grátis (por módica quantia indenizatória); consuma o que quiser apenas nos pague, Senhor nº n, que somos entidade filantrópica, sem fins lucrativos, mas amamos fazer circular a riqueza.” No sábado abro a caixa dos correios e o negócio é uma feijoada, a que compareço, em minha (predileta) manifestação cartão de crédito. Os afiadores de facas merchandaizam (que facas, limadas, abrem novas polpas, sequer supostas na praça dos desatentos). Matéria viva não há. A última carta de amor recebida foi nunca e desde então me apreende essa procura (carta de amor: pro cura). A última carta de amor recebida, embebida em anseio e vocativo natural, veio de uma terra tão difícil... (conheço o lugar, mas os ventos estão desaparelhados de rosa). “Senhor Gérson, elimine sua
pediculose, refresque seu quarto, compre dólares verdes georges, arremate nosso dócil camelo, viagem de férias pelas arábias; entre para o seleto clube de civis que possuem um caça usado, vá à Polônia ver o túmulo do Papa...
Senhor Gérson, que chato!
O senhor não tem colaborado!” Indiferente a tudo, ambiciono o bilhete da remota companhia a prometer viagens à Lua. No domingo, não obstante a dificuldade de acordar, com as chaves da felicidade nas mãos lanço-me ao bunker onde se esconde tanta correspondência para retirar meu certificado de vitória, meu diploma de bem-sucedido na vida. Nesse mesmo domingo é que as correspondências comerciais mais se mostram terríveis: desarmando mãos varadas pela expectativa e driblando olhos injetados de necessidade, de co-respondência, elas partiram voluptuosas para o negaceio, amigando-se às mitológicas cartas de amor, deixando meu pobre ego à mingua das carícias superficiais comerciais que tanto amo desprezar. Releio, altavoz, antiga correspondência: “compre nossos serviços, senhor ___________________________, que nós só o prestamos por altruísmo (e faremos descontos especiais a quem nos ligar com lágrimas nos olhos e cartão de crédito nas mãos). Lucro não nos dá, senhor. Nós o amamos, deixe-nos embriagar suas baratas, reformar suas teias de pensamentos e gritos”. O que mais me agrada é a correspondência bancária. Não raro vou às lágrimas, enlevado com os poemas em forma de extrato. Os borderôs de cobrança me comovem. Seriam aqueles números (montante, multa por atraso e juros de mora) a música de Pitágoras, que a impressora vazou em manchas pretas? Embora eu saiba que eles são contra apresentação, eu me apresento, de mãos abertas, e os recolho para brincar em meu colo, em minha conta bancária. Os bônus de desconto expiam meu salário salvando a espécie pecadora. Abro minha carteira com alegria: fui convidado a comprar. De joelhos chego ao templo do consumo e, já que de nada careço, deixo minha oferenda, comprando-me numa liqüidação anual.

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