domingo, 30 de janeiro de 2005

Uluru

Caminhar em torno a esse maciço rochoso compensa qualquer sacrifício da viagem (aí incluídos vôos pela Virgin e ônibus quebrado no meio do deserto). Circundam-se 6 km de surpresas ininterruptas. Borges registrou, sobre uma caminhada igualmente heróica: “em vão esgotei meus passos; o negro embasamento não registrava a menor irregularidade, os muros invariáveis não pareciam consentir uma única porta.” Certas coisas, como a laje em forma de onda, as várias cavernas e saliências, e os indefectíveis paredões com 200, 250 metros de altura calaram-me, despertando a fúria fotográfica. São grandiosos os dispêndios da natureza. Subi a uma pedra para uma foto. Parecia a mais simpática e foi a primeira a me derrubar. A certa altura, parece que o paredão foi penteado por um cabeleireiro delirante. Próximo a esse monólito, outro tumulto lítico: Kata Tjuta. São rochas dispostas como um bolo não isento de loucura, vasto, obrigando a vista a contorcionismos verticais. Fatigamos suas veredas, e soubemos da intenção desse aparelho. "É impossível existir pedras tão soberbas", pensei. Olhei para os fios de água enferrujada dessas profundas redes de pedra e corrigi: "não só existem como dispensam almas líquidas". De Uluru (Ayers Rock) segue-se até Little Puta Puta. Perdão, mas é isso mesmo. Pouco mais à frente, a própria, a virtuosa Puta Puta. Um nome que, não fossem outras objeções, ainda teria contra si um pleonasmo. Mesmo isso é ninharia, perto do nome de um local sagrado encravado em Uluru: Mala Puta. Como foi que eles chegaram a um nome desses, nem o bom Deus sabe. Conheci, ainda, um interessante local chamado Putaruru, numa região, já viram, de nomes realmente originais. No Red Centre, as pessoas falam como texanos, com voz largadona e tirando a Pato Donald (uma americana, do estado de Washington, com quem repercuti essa impressão, limitou-se a exclamar, apiedada: so funny!). Os cabelos devem ser conservados rigorosamente desgrenhados; a roupa, amassada (estilo guardei numa garrafa), a camisa precisa estar aberta e os cadarços, soltos. A barba, sempre por fazer, e garrafas d’água na cintura, à guisa de revólveres. Não tive problemas para incorporar o figurino, menos a fala, é claro (conservo a fala campo-grandense, com portas e corguinhos rascantes). O aspecto geral, tipo “que me leve o diabo” é assimilado com grande facilidade pelos mochileiros, que já chegam aclimatados, de tão previdentes. Chapéus são bem vindos. Se você não tem um, bem, você vai precisar de um. Alice Springs, dezembro de 2004.

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