A todos que não quiseram, ou não puderam dormir numa manhã chuvosa de domingo.
Fecho a última página de "História natural da religião", de David Hume, tradução de Jaimir Conte (Unesp).
Já estava cansado de ler fragmentos. Este foi um dos poucos tomos filosóficos que leio de ponta a ponta (os outros foram de K. Popper, Wittgenstein e Nietzsche). Hume tem intuições profundas, atrapalhadas pelo contorcionismo de afirmações negadas e negações afirmadas imposto pelas ferozes "autoridades" religiosas de então.
A Igreja da Inglaterra, e suas posições, teve de ser preservada, com todos os prejuízos desse sectarismo. O catolicismo, e doutrinas quejandas, pôde ser atacado sem problemas.
Duzentos e vinte anos não terão passado em vão. Libertos todos os filósofos das cadeias religiosas, alguns foram (alegremente) se entregar a basiliscos, como Heidegger, filósofo de todos os nazismos.
Outros perderam-se em estamentos medievais, vastos continentes impossíveis, como são as filosofias de Espinosa, Leibniz e Pascal.
Alguns contemporâneos adentraram águas muito rasas, e tornaram-se filósofos insoletráveis (Hilary Putnan, Noam Chomsky) ou pensadores indecidíveis (Roger Penrose et alii).
A Escola de Frankfurt, com a suspicaz missão de tornar Marx bem-composto, não produziu nada digno de menção. Do neo-frankfurtismo, algo de Habermas, com seu enfoque exagerado no "discurso", pode se tornar perene (embora eu duvide).
Adorno, Durkheim? Ah, fala sério...
Entre os pensadores lúcidos e legíveis, fulguram as estrelas de Daniel C. Dennett e, num quadro mais restrito ao pensamento biológico-evolucionista, E. Mayr, R. Dawkins e S. Pinker.
Passados dois séculos desde Hume, o problema religioso involuiu para uma mera questão de polidez: respeita-se a opinião alheia. E, num mundo assim opiniático, todas as verdades se equivalem, embora não se sustentem epistemologicamente.
Provavelmente, Hume ficaria decepcionado.
Após os jornais, mergulho em sua obra máxima (é um domingo).