Este é o livro mais poderoso que me caiu às mãos. Brian Greene, físico teórico da Columbia, que já havia escrito O universo elegante e O tecido do cosmo, descreve hipóteses tão desvairadas sobre o universo que ficamos envergonhados de nossa juvenil e nunca resolvida perplexidade ante a mecânica quântica.
Embora se declare reducionista "um sistema físico é completamente determinado pelo arranjo de suas partículas", ele nos apresenta ao conceito exótico dos multiversos. A coisa começa assim:
"se o universo tem uma extensão infinita, você não estará sozinho, independentemente de sua opinião com relação a essa visão da realidade. Existem muitas cópias perfeitas de você no cosmo que pensam e sentem de maneira exatamente igual. E não há maneira de saber qual delas é realmente você."
Perceberam que a Biblioteca de Babel, de Borges, enlouqueceu de vez? Existem não apenas livros em quantidade infinita, mas pessoas e suas vivências que nos copiam com variações mínimas (ou variação alguma), em número infinito: "A realidade que prevalece em qualquer universo dado, inclusive o nosso, será replicada infinitamente em outros universos do multiverso repetitivo."
Percebem o abuso do conceito de infinito?
"A maioria de nós não tem a expectativa de que os mundos se repitam; nem a de encontrar outras versões de nós mesmos, nossas famílias e nossos amigos. Mas, se pudéssemos viajar por distâncias insondáveis, isso é o que acabaríamos por encontrar."
Não para por aí. A partir do pensamento físico estabelecido, chega-se a muitas bolhas no multiverso: "cada bolha do multiverso inflacionário é espacialmente finita a partir da perspectiva externa e espacialmente infinita da perspectiva interna. Então, se o multiverso inflacionário for real, os habitantes de uma bolha - nós - seriam não só membros do multiverso inflacionário, mas também do multiverso repetitivo."
Agora você entendeu tudinho, não é mesmo? Acontece que não existe um tipo de multiverso, mas nove:
1. repetitivo (pressupõe universo infinito; as condições repetem-se necessariamente através do espaço, gerando mundos paralelos);
2. inflacionário (a inflação cosmológica eterna gera uma enorme rede de universos-bolhas, um dos quais seria o nosso universo);
3. de branas (nosso universo existe em uma brana tridimensional que flutua em um ambiente de muitas dimensões, potencialmente povoado por outras branas - outros universos paralelos);
4. cíclico (colisões entre mundos-brana podem manifestar-se como o inicio de outros big bangs, gerando universos paralelos no tempo).
5. de paisagem (as múltiplas formas diferentes das dimensões extras da teoria de cordas dão lugar a muitos universos-bolhas diferentes);
6. quântico (todas as possibilidades incorporadas nas ondas de probabilidade são realizadas em algum universo dentro da vastíssima gama de universos paralelos assim gerados);
7. holográfico (nosso universo é espelhado exatamente por fenômenos que têm lugar em uma distante superfície que o limita, que constituem um universo paralelo fisicamente equivalente ao nosso);
8. simulado (os saltos tecnológicos sugerem que universos simulados podem, um dia, tornar-se possíveis - a conhecida matrix);
9. máximo (pelo princípio da fecundidade, todo universo possível é um universo real, o que desfaz a questão de saber por que uma determinada possibilidade - a nossa - é especial. Esses universos materializam todas as equações matemáticas possíveis);
E aí, de qual você gostou mais?
Falei da perplexidade com mecânica quântica. Aprendi, com Feynman, que a passagem das patifarias da mecânica quântica para comportamentos "normais" - aqueles que conseguem ser tratados por nossas mentes na construção da realidade comum - ocorre com o colapso de sua função de onda em um comportamento específico, por exemplo, um elétron passa a se comportar como onda ou partícula, deixando de ser uma nuvem probabilística de onda-partícula. Em tempo: função de onda é tudo que uma partícula, um quanta, um objeto podem fazer em certo trato de tempo. Assim, um fóton sai da tela de meu computador e estimula biorresistores em minha retina. Pra mim, é tudo que ocorre, mas um físico deve considerar que, antes de atingir minha retina, o fóton pode resolver ir passear nos confins do universo, ou em outros multiversos, ou ricochetear na casca de uma maçã na cozinha. A somatória de todas essas trajetórias, cada uma delas associada a uma probabilidade, fornece a função de onda desse fóton no momento considerado.
Pois bem: a equação de Schrödinger não abona a interpretação de Copenhague. Bohr, sem sequer definir o que sejam observação e medição, decretou que devemos abandonar essa equação e declarar que a observação faz com que a onda entre em colapso. Contudo a equação de Schrödinger não consente que as ondas de probabilidade colapsem. E mais. Essa equação, linear, funciona para elétrons, quarks e, ao que tudo indica, para as coisas que eles constituem: nossos corpos e todo o universo, independente do número de partículas envolvidas.
Nessa nova e arriscada abordagem, "tudo que é possível, do ponto de vista da mecânica quântica, é realizado em mundos separados" (o multiverso quântico). "Invocamos a probabilidade porque nosso conhecimento é geralmente incompleto."
Pergunto: a função de onda entra em colapso ao ser medida, ou todas as possibilidades se realizam em diferentes universos? Nesse último caso, cada clone seu nos infinitos multiversos é você.
É extravagante o bastante? Espere pra ver o que segue.
Segundo o físico Wheeler, matéria e radiação "deveriam ser vistas como secundárias, como veículos de uma entidade mais abstrata e fundamental: a informação".
E quem fala informação diz buracos negros, via entropia. Isso mesmo, a confusão só aumenta. Entropia: quê qué isso? A ordem se degrada em desordem, porque existem muitíssimo mais apresentações desordenadas do que ordenadas na evolução de qualquer sistema físico fechado. Observe que, por sua natureza estatística, "a segunda lei da termodinâmica não diz que a entropia não pode diminuir, mas apenas que é extremamente improvável que isso ocorra".
A produção quântica de pares, decorrência do princípio da incerteza, produz o único caso documentado do que parece um jantar grátis: um par de partículas, com energias iguais, mas opostas, é criado, do nada, por um tempo brevíssimo. Se esses pares se formam no horizonte de eventos de um buraco negro, a partícula de energia negativa pode cair no astro, e a outra escapar, originando a radiação Hawking, ou seja: buracos negros têm entropia. É dizer: eles também obedecem à segunda lei da termodinâmica.
Qual o vínculo entre entropia e informação? "a entropia pode ser entendida como medida do hiato de informação existente entre os dados que estão disponíveis (as características macroscópicas gerais de um sistema) e os que não estão disponíveis (o arranjo microscópico particular do sistema)".
Informação responde a perguntas (número de diferentes perguntas do tipo sim e não a que a informação consegue responder). Entropia é medida da informação oculta do sistema. Aonde isso leva?
Bem, Hawking demonstrou que a entropia de um buraco negro é igual ao número de células, cujos lados têm o tamanho do comprimento de Planck, necessário para cobrir a área de seu horizonte de eventos. É como se cada uma dessas celas carregasse um bit.
Agora já podemos revelar: a malha planckiana de zeros e uns que se distribuem pelo horizonte de eventos é o lugar onde a informação é guardada, de um ponto de vista externo ao buraco.
Não consegue acompanhar? Estamos às portas do princípio holográfico: fenômenos que testemunhamos são espelhados em uma superfície limítrofe, tênue e distante (o horizonte de eventos). E isso se aplica aos multiversos, um dos quais seria o nosso. Assim, todo o nosso multiverso estaria espelhado em sua superfície, um bit por Planck quadrado.
Pronto. Não é mais difícil que isso. As equações mais loucas confabulam infinitos universos. Em tal inflação, o nosso não ocupa posição especial, assim como a Terra foi exonerada de sua posição central no sistema solar. Longe de termos um universo apenas vasto, com orçamento excessivo ao parecer humano, podemos ter infinitos universos, em um dos quais sou casado, tenho três filhos, cada um deles monarca de uma galáxia distante. Em outro, mesquinho, tornei-me fachista e acredito em Lula. Uma tal prolixidade de mundos parece sugerir que nenhuma oportunidade foi perdida, e que todas as vivências se equivalem. Eus infinitos vivem infinitas aventuras alternativas, e um deles descrê dessas linhas, após notar um livro na estante. Terão os outros sido influenciados por meu gesto? Estarão, agora mesmo, resistindo a Green e à minha presença?
Está visto que o autor atingiu seu objetivo. Leia-o também. Se o pasmo não o assaltou linhas atrás, não é culpa do livro. Você apenas não entendeu do que se trata.
Valeu? Da próxima vez que um místico vier com bazófias como milhões de deuses, reencarnações e ciclos infinitos, pessoas unas que são três, e morrem e ressuscitam num caos inimaginável; da próxima vez que você achar essas criancices intrigantes ou inexplicáveis, dê uma olhadinha no multiverso. Você vai ver que nenhuma idéia mística ou religiosa se compara à realidade que ora bosquejamos.