sábado, 20 de outubro de 2012

A era da incerteza

Hélio, na Folha:

O advento da imaginação humana foi uma verdadeira revolução mental, pois nos deu o poder de simular cenários dentro de nossas cabeças e, consequentemente, tentar alterar de forma consciente o futuro. Tomamos gosto pela coisa, daí que criamos a ciência, que pode ser descrita como uma receita para fazer previsões. O problema é que, apesar do inegável sucesso de nossas tecnologias, somos de um modo geral péssimos em prognósticos.

É preciso qualificar um pouco melhor esta última afirmação. Há diferentes tipos de previsões e, em algumas delas, nos saímos relativamente bem, enquanto, em outras, nosso desempenho é vexatório. Como já coloquei em outras colunas, colecionamos sucessos em certos ramos das chamadas ciências duras, como a física e a química, onde não temos dificuldades para apontar a data do próximo eclipse solar ou para fazer o cálculo estequiométrico de reações entre diferentes compostos. A coisa muda de figura quando nos afastamos dessas áreas para abraçar a economia, as ciências sociais e mesmo alguns subcampos das ciências duras. As coisas tendem a ficar realmente difíceis quando tratamos de fenômenos complexos/caóticos (não vou aqui entrar na distinção entre os dois), nos quais mínimas alterações numa variável podem modificar dramaticamente os resultados. Aqui, embora tenhamos nos acostumado a ouvir especialistas, poderíamos muitas vezes dispensá-los sem prejuízo. Na verdade, nós possivelmente sairíamos ganhando se ignorássemos seus conselhos.

Nate Silver, um especialista em previsões, acaba de lançar nos EUA um livro bastante esclarecedor sobre o assunto. É "The Signal and the Noise: Why So Many Predictions Fail --but Some Don't" (o sinal e o ruído: por que tantas previsões falham, mas algumas dão certo). Silver é um estatístico que fez fama, primeiro, desenvolvendo um algoritmo para apontar quais jogadores de beisebol darão certo e, em seguida, ao criar um site de previsões eleitorais que, no pleito de 2008, acertou os resultados da disputa presidencial em 49 dos 50 Estados, além do vencedor de todas as 35 corridas pelo Senado que tiveram lugar naquele ano. Saiu-se tão bem que o "The New York Times" incorporou seu site, o FiveThyrtyEight ( http://fivethirtyeight.blogs.nytimes.com ).

Silver inicia "The Signal and the Noise" mapeando o problema. Lembra alguns trabalhos clássicos como os de Philip Tetlock e John Ioannidis, cujos resultados não são muito abonadores para os futurólogos.

Num estudo publicado em 2005 ao qual já aludi neste espaço, Tetlock coletou durante 20 anos cerca de 28.000 previsões acerca da economia e de eventos políticos feitas por 284 experts em diversos campos e de diversas orientações políticas. A conclusão básica é que eles se saíram milimetricamente melhor do que o acaso.

O mais interessante, porém, foi constatar que os mais veementes foram os que mais feio fizeram. Tetlock os apelidou de porcos-espinhos. Os especialistas que conseguiram bater a média do grupo e superar os 50% de acerto esperados pelo livre-chutar foram os que coletavam suas informações em múltiplas fontes e chegavam a desconfiar de suas próprias previsões. Estes foram batizados de raposas.

Já Ioannidis, numa abordagem mais matemática, sustenta que a maioria das conclusões dos trabalhos publicados em periódicos médicos está errada. Isso ocorre devido a uma combinação entre limitações do método estatístico (inferência bayesiana) com os vieses dos pesquisadores. Para o autor, só uma minoria dos estudos (os maiores e mais caros) tem de fato poder estatístico para apoiar cientificamente as teses sustentadas.

Para Silver, várias combinações de causas explicam a grande diferença de desempenho entre os ramos do saber. O que ele faz ao longo do livro é explorar alguns casos de sucesso e fracasso recorrendo a áreas tão díspares como a meteorologia, a previsão de terremotos, a economia, o beisebol, o pôquer, o xadrez e o aquecimento global, além, é claro da política.

Não tenho aqui espaço para detalhar as valiosas informações que o autor traz em cada uma dessas disciplinas, de modo que me concentro na espinha dorsal de sua argumentação. Para fazer previsões razoáveis acerca de fenômenos complexos/caóticos, é preciso tanto dispor de dados de qualidade que servirão de "input" como ter uma boa compreensão da ciência envolvida.

É raro reunir essas duas condições, mas às vezes acontece. O caso emblemático de sucesso é a meteorologia. A física envolvida é bem conhecida. O problema é que os sistemas são tão dinâmicos que uma mudança diminuta numa variável qualquer altera tudo. É da meteorologia quem vem a expressão "o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode originar um tornado no Texas" e ela é potencialmente verdadeira.

Não obstante, nas últimas décadas, a previsão meteorológica fez importantes avanços. Já dá para antecipar com precisão e antecedência de pelo menos 48 horas a rota de furacões e mesmo o boletim do tempo que passa na TV tem melhorado bastante. Se um meteorologista sério diz que as chances de chover são de 70%, isso significa que, se reunirmos todas as suas previsões que trazem essa cifra e as compararmos com o que de fato aconteceu, constataremos que em 70% delas houve precipitação e em 30%, não. A meteorologia tem sobre outras ciências a grande vantagem de contar com muitos dados que vêm quase sem ruído. Melhor ainda, ela tem a dádiva de receber diariamente o "feedback" da realidade, o que permite recalibrar continuamente os modelos.

A previsão de terremotos, que é outra ciência dura que envolve complexidade, não experimenta a mesma taxa de sucesso (na verdade, é um fracasso quase total) provavelmente porque não conhecemos bem a física envolvida. Nós vemos e até conseguimos reproduzir em laboratório os fenômenos que ocorrem na atmosfera, mas não temos nenhum acesso ao que se passa com as placas tectônicas, escondidas vários quilômetros abaixo de nossos pés.

Quando saímos das ciências mais rígidas para a economia e as ciências sociais, nós mais ou menos pulamos no inferno. Aqui, tanto os processos básicos se tornam infinitamente mais complexos (o homem passa a ser uma variável) como a qualidade dos dados cai drasticamente. PIB, inflação e vários outros indicadores, por virem na forma de números com vírgula, podem dar a impressão de serem objetivos, mas, na verdade, calculá-los não tem nada de trivial e envolve muita incerteza. Não são pequenas as chances de eles corresponderem apenas vagamente ao que ocorre na realidade, o que, evidentemente, complica bastante qualquer previsão que os tome por base.

E a questão do conhecimento/qualidade dos dados é apenas parte do problema. De acordo com Silver, outro importante destruidor de previsões são nossos vieses cognitivos, isto é, nossa propensão evolutiva a cair em determinadas armadilhas.

A mais grave delas é que temos uma tremenda dificuldade para pensar de forma probabilística. Psicólogos como Daniel Kahneman, Dan Ariely e muitos outros já compuseram uma lista telefônica de exemplos dessa nossa incapacidade. Um de meus favoritos é o experimento em que médicos treinados julgaram uma doença que mata 1.286 pessoas de cada 10.000 --12,86%-- como mais grave do que uma com taxa de mortalidade de 20%. Aqui, eles se deixaram enganar pela concretude das 1.286 vítimas contra a abstração da frequência de 20%.

O viés antiprobabilístico faz todo o sentido. Nós não evoluímos para ser cientistas, mas para sobreviver aos perigos do dia a dia. Diante de um tigre de dentes de sabre, não podemos nos dar ao luxo de calcular chances. Sobreviveram apenas nossos ancestrais que traduziam a percepção do perigo numa ação concreta e inequívoca como fugir.

Num mundo em que os tigres de dentes de sabre foram extintos e a ciência apareceu, porém, a incapacidade de pensar probabilisticamente é um problema. Ela faz com que não percebamos as limitações e as sutilezas do método estatístico e interpretemos muito mal seus resultados. Tendemos a ver o 90% de chance de chover como quase certeza de que devemos sair com uma sombrinha e não como uma previsão de que não choverá em 10% dos casos. Daí os injustos impropérios lançados contra a moça do tempo.

Para Silver, a situação tende a piorar na era da internet, na qual temos um acesso até há pouco impensável a cordilheiras de dados, sem, entretanto, dispor dos meios para separar o sinal do ruído. Mais do que nunca, diz ele, precisaremos de boas teorias para ordenar essas montanhas de informações. No que diz respeito a nossos vieses, o autor afirma que a única saída é nos esforçarmos para reconhecê-los. Sabendo em quais circunstâncias tendemos a errar, podemos tentar nos corrigir. É isso o que torna as raposas de Tetlock melhores futurólogas do que os porcos-espinhos.

Não se deve, contudo, nutrir ilusões. Se o advento da imaginação nos liberou para domesticar o futuro e inventar a ciência, precisamos também saber limitá-la, para que não nos tornemos vítimas de nossas fantasias e delírios. O primeiro viés que precisamos admitir é o de que, embora tenhamos horror à incerteza, o mundo está repleto delas. Precisamos antes de tudo tentar compreendê-la e, quando possível, mensurá-la.

Fundo Soberano - a palhaçada sem graça

Guilerme Abdalla (Brasil Econômico):

Quem não se lembra dos anúncios e propagandas pirotécnicos (marketing mesmo) quando da criação do Fundo Soberano do Brasil-FSB, em 2008? Pois bem, passados quase quatro anos da promulgação da Lei nº 11.887/08, que o cunhou, o resultado formalmente apresentado semana passada pelo Ministro de Estado da Fazenda Guido Mantega ao Senado Federal é indigesto, para não dizer risível. Parece mais um manual de como não devem ser gerenciados recursos públicos ou, no raciocínio inverso, um roteiro de como queimar o dinheiro do povo brasileiro. (...) 

Vamos aos tristes números: o FSB teve como aporte inicial a emissão de 10.201.373 títulos do Tesouro Nacional, em dezembro de 2008, totalizando R$ 14,2 bilhões a preço de mercado. Na mesma data do aporte, o FSB promoveu a respectiva integralização de cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização( FFIE), um fundo multimercado, exclusivo e especialmente criado. Já em 2010, a União houve por bem adquirir, por meio do FFIE, substancial posição no BBAS3, PETR3 e PETR4 (praticamente todo o seu capital foi endereçado a essas empresas à época). O resto foi direcionado a operações prefixadas. 

Resultado? Ao fim do segundo trimestre de 2012, a parcela de ativos com renda variável do FFIE caiu para 76,91%, em razão da redução dos preços de mercado de ações no período, enquanto a parcela então ínfima de ativos de renda fixa aumentou para 22,94%. Quanto ao valor dos ativos do FFIE, quer dizer, nosso dinheiro, tem os um total de R$ 13,8 bilhões em junho de 2012, representando uma rentabilidade negativa de -16,84% no trimestre e -17,91% nos últimos 12 meses. Note-se: aportou-se R$ 14,2 bilhões em 2008 e temos hoje, após quatro anos, R$ 13,8 bilhões. 

Ora, a lei que criou o FSB e seu decreto regulamentador não obrigam — nem de longe e nem de perto — que seus aportes devam ser destinados somente a estatais ou sociedades de economia mista. Muito pelo contrário, poder-se-ia entender que o privilégio dedicado à Petrobras e ao Banco do Brasil deturpa a essência do próprio FSB, que deve necessariamente ter uma visão mais ampla dos interesses estratégicos do país. A mitigação de “ciclos econômicos” objetivada pelo FSB — a bem da verdade, não é um objetivo, mas um dever — não pode se resumir a essas duas empreitadas. Como está, o povo perde nas duas pontas: na captação, pois os recursos são remunerados pela taxa aplicável ao título do Tesouro Nacional; no investimento, pois nitidamente destinados exclusivamente a empresas de interesse político-particular.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dirceu

Dizia eu, em algum despacho (foi o Josias que inventou essa de despacho. De onde ele tirou essa maluquice?) que acredito em mula-sem-cabeça. É verdade.

Em realidade as mulas, da espécie sem cabeça, são uma forte presença em nossa ricamente ilustrada nação. E não passa um dia sem que eu me convença, cada vez com mais fervor, da inocência do Dirceu.

Espero que tanta inocência sirva de reflexão para o STF.

Postado em 26 de novembro de 2005.




terça-feira, 16 de outubro de 2012

Recordando o blog

No dia 04 de setembro de 2007 anotei, aqui mesmo:

Pilar da República, o STF aceitou processar 40 dos mais ilustres bandidos da nação. O comissário Josef Dirceu trabalhava uma "anistia" para si mesmo, que talvez colasse, num congresso que às vezes não se dá ao respeito. Assistimos ao milagre de um presidenciável se transformar em presidiável. Ainda que não cheguemos às condenações criminais, o comissário não estará na lista de elegíveis nas próximas eleições, o que não é pouca coisa.

Não é que chegamos às condenações?




domingo, 14 de outubro de 2012

Janio e o gardenal insuficiente

Alguém quer, por caridade, triplicar o gardenal do Janio? Não veem que ele sofre, que deixou o planeta e agora habita um universo paralelo, onde a palavra de lula é lei?

Para Janio o golpe de mão preparado pelo PT é invencionice da mídia (nacional e estrangeira), do Supremo, da PGR, enfim, de todo mundo. As provas coletadas são miragem, e os votos dos ministros (indicados pelo PT) são delírios... Curiosamente, nesse universo desvairado, a compra de votos para aprovar a reeleição está comprovada. E quanto ao julgamento? Secreto? Quem teve acesso aos autos? Só jornalista da seita? A lei utilizada também é secreta? E quanto à acusação e ao processo, secretos? Porque, que eu saiba, essas denúncias nunca foram investigadas, muito menos objeto de decreto condenatório, ao contrário do Mensalão.

Alguém quer, por considerações humanitárias, conduzir Janio a um bom sanatório? Ou, quem sabe, adicionar ivomec à (já enorme) dose de gardenal? 

Janio, seu moleque senil, quanto pagam por suas reinações? Vale a pena?