Repararam como o comentario intitulado 2007 é genial?
Mais que concisão e elegância, o comentário é uma aula de economia e didática. Meu melhor "despacho", até agora. Estou mesmo me aprimorando, ora se não...
sexta-feira, 5 de janeiro de 2007
Armas, Germes e Aço
Termino agora esse
livro, extraordinário.
O
autor passeia com inteligência e erudição por 13.000 anos de história das
gentes. É uma vasta empresa, sujeita a erros e imprecisões. O livro desmente
manuais de história, e mostra a verdadeira gênese de estados, religiões,
doutrinas. E das elites, retratadas sem retoques: plutocracias cínicas e
impiedosas.
É
brilhante, ao mostrar que colonos loiros e de olhos azuis, fixados no lugar errado
ou com a tecnologia errada, regridem de seu patamar civilizatório e podem ser
extintos, como ocorreu aos noruegueses na Groenlândia. Exatamente como a
regressão tecnológica dos aborígines da Austrália e Tasmânia.
O
livro é um dos dez mais importantes que já li, ao mostrar o ser humano através
da história, sem as doutrinas e mistificações a que nos acostumamos, sem
perceber.
O
autor faz uma fortíssima ligação entre os seguintes fatores, uns levando aos
outros: domesticação de animais e plantas, sedentarização e explosão
populacional, especialização de alguns sustentados pelos agricultores/pastores,
explosão tecnológica devida a emulação entre os povos em contato, surgimento de
doutrinas de coesão social e religiões, emergência da complexidade social e política,
com crescente centralização do poder levando ao surgimento de cidades-estado e,
por fim, reinos e impérios.
Ou
seja, todo o repertório humano, até aqui.
É
possível superar o estágio da plutocracia, reinante na maior parte do mundo
(menos no Brasil, onde a elite é santa e recebeu mandato divino para
enriquecer)?
É
possível reformar os estados, fazê-los trabalhar para as massas, e não para
alguns? Não me animo a responder a isto...
Tampouco
farei qualquer esforço para resumir a obra que (me repito), considero essencial
para se compreender o mundo. Faça um favor para si: leia-a você mesmo,
leitor.
Bali, 5 de janeiro de 2007.
terça-feira, 2 de janeiro de 2007
Buzinasso
De um modo geral, na Ásia se cultiva a arte do buzinasso.
Na estrada de Sa Pa para Lao Cai, por exemplo. Dirigindo um caminhão coreano (assim como os japoneses, esses caminhões têm buzinas calibradas para explodir os tímpanos humanos), um sujeito atolou a mão na buzina, ao ver uma pedra na estrada.
Ele vinha apitando por qualquer coisa, à moda indiana: uma curva, uma reta, uma àrvore, uma casa, um penhasco.
Ingrata, a pedra não se moveu um milímetro, conforme eu previra e pude testemunhar.
Nas cidades, o mesmo apitasso, inconclusivo.
As pessoas acabam desenvolvendo importantes problemas de audição, creio, enquanto a indústria lucra com buzinas cada vez mais impiedosas.
Vietnã
Numa noite de 1978 - terão de perdoar eu não precisar a data - às 4 da manhã, centenas de tanques tomaram Lao Cai, cidade da fronteira Vietnã-China. A princípio, seus habitantes pensaram tratar-se de movimentação de seu exército, mas logo ficou claro que aqueles eram tanques chineses, em "visita" que duraria meses e custaria as pretensões vietnamitas no vizinho Camboja.
Os vietcongs (vietnamitas comunistas) haviam escorraçado as legiões americanas e davam um "calor" em Pol Pot, o supremo genocida de um século repleto deles. Os americanos descobriram, muitos séculos depois de Roma vergar sob o peso dos hunos e da China ser devastada pelos mongóis, que os bárbaros podem, sim, ganhar guerras.
De nada adiantou o apoio americano a Pol Pot, em troca da utilização do Camboja para atacar o Vietnã. Nem as reiteradas incinerações de Hanói e Hue.
Com o triunfo inesperado, Pol Pot recebia "atenção especial" do exército vietnamita e a China teve de intervir.
Deng Xiao-ping - vitorioso da perseguição que sofrera de Mao e da "guangue dos quatro", deflagrara naquele mesmo ano o processo de modernização econômica que resgataria a China de 500 anos de indolência, burrice e atraso (alguns anos antes de 1500, a gigantesta classe de burocratas controlada pelos eunucos sofreu um golpe palaciano, e a vasta frota chinesa foi desmantelada, junto com os estaleiros. A China se fechou para o mundo, ao contrário do que faz hoje, com seu superávit de 200 bilhões e comércio de 1 trilhão de dólares, anuais).
O Império do Meio não toleraria hegemonias locais em seu quintal.
Essa história me foi contada por um soldado que participou da guerra, e hoje é guia turistico em Hanói. Seu espanhol é passável.
Cochim-China
Não sei em que panfleto turístico li que aquele apêndice da China chamado sudeste asiático era dividido entre o Sião e a Cochim-China.
O primeiro vem a se chamar Tailândia (terra dos livres, numa livre tradução). A segunda é o atual Vietnã. Em tempos esquecidos, os japoneses fundaram porto e vila no centro desse País, hoje entregues aos turistas.
Mais ao norte, Hue, capital de um império que só recentemente ruiu.
Nessa cidade, sento à mesa para o café-da-manhã, frente a uma janela que mostra a ponte de metal sibre o rio Perfume. Outro rio, de motocas, atravessa a ponte, vigiado por um céu irregular e choroso. Seria mais feliz ou, pelo menos, fluido, não fora o impertinente semáforo.
Perfume é rio de grandes ambições. Acalentou um império; corre manso nesse inverno chuvoso.
Enquanto isso, um turista arruma uma trouxinha com pães, biscoitinhos e outras guloseimas, para o lanche mais tarde.
Que cosa fea!
Inicio um movimento anti-matula. Turistas de todo o mundo, uni-vos. Abaixo a matula!
Aviso aos navegantes
Gente, uma má notícia: ao contrário das boas expectativas de alguns, eu não estava no avião que caiu aqui na Indonésia.
Paciência, nao há nada que possa ser feito (rá rá rá).
Indonésia e idiomas
Quando a vasta Eurásia quer se
comunicar com a Grande
Austrália - que compreende as
hoje ilhas de Papua-Nova Guiné e Tasmânia, e a Austrália - utiliza
principalmente uma península (que ora se chama Tailândia, ora Mianmar, ora, ocasionalmente,
Malásia) e milhares de ilhas e ilhotas que às vezes aceitam o nome Indonésia.
Semelhante aos milhares de
ossículos que ligam a mandíbula ao crânio (e que se intrometem na orelha
interna), a Indonésia transmitiu os ruídos da Eurásia à Grande Austrália.
Há pelo menos 1 milhão de anos
(talvez 1,8) o homem habita Java, embora a atual civilização
tenha apenas 4.000 anos e seja originária de Taiwan. Há milhares de anos essa
civilização (chamada austronésia)
domina culturalmente o arquipélago indonésio, que também inclui parte de Bornéu, tomada à força na década
de 1960. A expansão austronésia está, de fato, entre os maiores deslocamentos
populacionais dos últimos 6.000 anos, comparável à substituição dos indígenas
americanos pelos europeus, a partir de 1492.
Bali, esse caldeirão de 140 por 95
km é uma ilha média, para os padrões indonésios. Tem vulcões bem comportados
(mas que às vezes protestam), muitas florestas, campos de arroz por toda parte
e uma superpopulação que fala uma das 374 línguas
da subfamília malaio-polinésia, que
a Indonésia divide com as Filipinas. Todas essas
línguas pertencem à familia austronésia, originária daquela província que se
rebelou sob Chiang Kai-chek em 1959, após o bandoleiro Mao ter tomado a China.
Indonésia, quarta nação mais
populosa do mundo, maior nação de maoria islâmica, é politicamente dominada
pela ilha de Java, e submete-se ao idioma Bahasa. Sobre idiomas, faço grandes
progressos. Bahasa? Aprendi "não vou comprar nada" e "tem ar
condicionado?". Os balineses falam língua própria (conforme já relatado),
que não me interessou. De qualquer forma, é no idioma
de Shakespeare as maiores conquistas.
I can speak english very well.
Pouco importa que eu seja a
única pessoa no mundo a pensar assim. Como se sabe, o Inglês (lingua germânica levada à
Inglaterra pelos ancestrais dos dinamarqueses, e que substituiu o celta em
alguns lugares), era uma língua de partículas auxiliares, quando colidiu com o
latim, língua franca e erudita à época: marcadores de caso, desinências et
cetera. E também não havia toda aquela patifaria de vogais com
problemas de identidade.
Hoje, cada vogal em inglês é
também todas as outras, o que me aborrece. Devo lembrar que são 18? Alguém
poderia argumentar que o Francês e o Português também têm seus probleminhas,
ambigüidades e caprichos, mas aqui estamos seriamente tentando falar mal do
Inglês, por ora. Se o leitor sente necessidade de falar mal de outras línguas,
diabos, quem te impede?
Seja como for, estou estudando
línguas antigas, particularmente da China e sudeste asiático (para situar o
leitor: é onde estou agora). Há uma família de línguas muito antiga, depois
subjugada pelo Mandarim, mas que
ainda conserva 6 milhões de falantes divididos em 5 línguas. Trata-se da familia Miao-yao.
Assim, temos os miaos vermelho, branco, preto, verde e azul. Quem fala miao
deve viver em pequenos enclaves, cercados por falantes de outras línguas, do
sul da China até a Tailândia, e alguém menos culto que o leitor pensaria que
essas populações foram jogadas por antigos e descuidados helicópteros aqui e
acolá, salpicando a paisagem asiática.
Tâmil, Malaio, Lao, Birmane,
Cambojano, Bahasa?
Nada disso. Agora, para se
dirigir a mim a leitora terá de valer-se de um tipo de miao.
Colorido.
segunda-feira, 1 de janeiro de 2007
Sa Pa
De trem entre Hanói e Lao Cai. É noite, e a composição avança bem devagarzinho, talvez para não melindrar os trilhos. Após frenagens "estilosas", concluí que o maquinista aprendeu seu ofício num ferrorama.
Lao Cai é uma especie de Foz do Iguaçu vietnamita, com direito a desfile de carroças abarrotadas de bugigangas chinesas, puxadas por vietnamitas desenvoltos, que desafiam a ponte, lado a lado com pesados caminhões. Daí sobe-se até Sa Pa (pronuncia-se Chá Pá).
Cheguei bem cedinho, em tempo de um momentoso café-da-manhã contemplando deliberadas montanhas e o trabalho do sol para estabelecer o dia em todos aqueles penhascos.
Sa Pa é uma vila alpina tomada de indígenas em trajes coloridos, e turistas. Os aldeões cultivam arroz há milênios, em terraços que penteiam os morros. Há uma só colheita anual, em cultivares também apreciados por búfalos e gansos.
Nesta cidade, eu, Gerson Noronha Mota, súdito de Sua Majestade, o Lula, provei pela primeira vez um veadinho.
Posso explicar?
Cansado das mesmas carnes com os conhecidos sabores, resolvi arriscar minha reputação em algo a um tempo exótico e inédito.
Pois provei o veadinho e gostei. Com cebolas, num prato fumegante, estou que foi o melhor daquelas montanhas, que também fornecem gansos.
Feliz 2007
Josias de Souza escreveu em seu blog:
"2007, um ano novinho em folha. É hora de antever o futuro. Coisa muito fácil de fazer. Desconsiderado o inesperado, que, por imprevisível, é impossível de prever, tudo o mais pode ser antecipado. Vai abaixo um kit de previsões infalíveis.
Exceto pelo bordão “nunca na história desse país”, que repetirá à saciedade, o Lula de 1º de janeiro será um novo homem. Manterá o nome antigo apenas por comodidade, para não ter de trocar todos os documentos. Mas no fundo, no fundo passará a se chamar JK da Silva – um personagem à direita de Lula e à esquerda de Lula, dependendo da época.
Depois de um discurso de re-posse que exalará pompa, o governo cruzará o ano tropeçando nas circunstâncias. O presidente prometerá desenvolvimento econômico. O PIB pode mesmo experimentar vigorosa recuperação, desde que a economia não volte a registrar um desempenho pífio.
O primeiro ano do segundo mandato será um sucesso, caso não se revele um fiasco. Os jornais não voltarão a noticiar escândalos, bastando para isso que Brasília seja varrida por uma onda de probidade.
A despeito da nova identidade, JK da Silva continuará filiado ao PT. Porém, vai exacerbar o movimento iniciado em 2003. Levará o ecumenismo político às últimas conseqüências. Sua grande tacada será a “coalizão”, novo eufemismo para fisiologia.
Depois de anunciar o último nome do “novo” ministério, o presidente desfilará pelos salões de Brasília de mãos dadas com o PMDB, que lhe baterá a carteira na primeira oportunidade. O casamento correrá às mil maravilhas. O que parecia mera estratégia política ganhará ares de comunhão de estilos.
Distanciado dos principais cofres, o PT protagonizará cenas de ciúme explícito. Os queixumes serão pendurados nas manchetes dos jornais. Em meio à algaravia, o brasileiro voltará a ser assaltado (com duplo sentido, por favor) pela incômoda sensação de que a Esplanada voltou a ser ocupada por dois tipos de ministros: os incapazes de todo e os capazes de tudo.
O novo Congresso sofrerá um processo de envelhecimento precoce. Votações importantes serão condicionadas ao tilintar de verbas e cargos. O Planalto será compelido a negociar tudo. Inclusive os escrúpulos.
Desiludida, a esquerda vai se mudar para um grotão. Alugará um casebre vizinho ao barraco da social-democracia. Penduradas na rede de proteção social do governo, as duas velhotas usarão as migalhas do Bolsa Família para comprar aguardente. Viverão em porre eterno. Evitarão sair às ruas, com medo de ser apedrejadas. Passarão noites em claro relendo Karl Marx e Max Weber. Nas horas vagas, jogarão dardos. Como alvos, um retrato de Lula e outro de FHC.
Se o Apocalipse não vier, 2008 vai chegar no exato instante em que dezembro de 2007 acabar. Junto com o burburinho das eleições municipais, surgirão as primeiras notícias sobre a iminente troca de cúmplices. E virá outra reforma ministerial.
O Ano-Novo será, portanto, aquela coisa velha de sempre. Mas não se apavore. Você será muito feliz, desde que não seja acometido por um surto de desoladora infelicidade."
Escrito por Josias de Souza
Também sou adepto de previsões. Ao contrário do Josias, eu poderia prever com exatidão, por exemplo, o que pode ocorrer na Groenlândia, nos próximos 3 ou 4 minutos.
Quanto ao Brasil, ele fez um bom trabalho. Nada a acrescentar.
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