quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Vivências

Sabe lá o que é cruzar a Europa de trem-bala, o janelão escancarado para campos e cidadezinhas – ocasionalmente obliterado pelo relâmpago de um trem no sentido oposto – escutando Madredeus, Marcelo Loureiro, Janis Joplin? Tem coisa que não adianta relatar.
No ipod, o Midnight Oil perguntava: Country Why? enquanto adentrávamos a Gare du Nord.
São Paulo chamava. Eu queria ir.
Tem que vivenciar.

Em casa & Holanda

Em casa!
Adorável casa de um só e pouco habitante. Resumi a Holanda, mais ou menos assim:
"Como se sabe, a Holanda é obra de ciclistas fundamentalistas, aborrecidos com montanhas e outras fraudes encontradiças em países menos planejados. Suas ladeiras, que marcham desde diques, não ultrapassam o metro de desnível. Nada que não possa ser vencido com uma pedaladinha. Essa planura, de inalterável perfeição, foi conquistada à força de enganar os oceanos, que gostavam daqueles mesmos lugares onde pastavam cavalos marinhos e ora festejam bicicletas e vacas leiteiras. Caminhei por essas temeridades chamadas pôlderes – terras subliminares – como o discípulo sobre o mar: lívido ante o milagre de colheitas em campos de caprichosa geometria. Hidrovias ao redor de cada cultivo, por pequeno, para que patos selvagens, cisnes e outros jantares possam viajar com conforto. Num cruzamento dessas hidrovias julguei ver, de relance, um semáforo em funcionamento e uma família de patos esperando sua vez, enquanto os cisnes obedeciam, ordeiros, o sinal verde, mas o leitor deve considerar o vinho e a pressa do trem. O mar às vezes reclama seus antigos domínios. Na década de 1930 a nação descobriu, numa dessas justas, que milhares de holandeses haviam fugido às aulas de natação. Mesmo o mar interior formado pelo imenso dique concluído naquela mesma década foi reformado, e hoje é conformado lago, de águas doces. Amsterdã é uma prova de que a arquitetura não precisa ser banal certeza ou interminável imitação. Espalhando-se desde a estação central progridem losangos plenos de prédios e casarões, cada qual mais decoroso, todos de grande valor artístico e histórico. Em meio a eles, inúmeros canais, freqüentados por barquinhos. Bondes deslizam em quase todas as ruas, com os mesmos direitos e deveres dos carros. Ciclistas pontificam em todas as ruas, e não é raro que uma seja bonita. Uma bicicleta, que me acossava do fundo das eras, foi livrada no momento final, e pude atinar com a salvação da calçada.
As cidades européias abundam em igrejas, algumas tomadas do Islã, a maioria de uma suntuosidade incompatível com as doutrinas cristãs. Com Amsterdã ocorre o contrário, quase não as há. Não poderia mesmo ser diferente, na capital do ateísmo.
Consta que Schiller resumiu a Guerra dos Trinta Anos em um parágrafo. Concluo a Holanda – obra de milênios, a quem dediquei escassos dias – em alguns curtos parágrafos e umas fotos.
Não deixaram Schiller resumir a Guerra dos Cem Anos. Não vou me alongar sobre uma Holanda que o leitor deve descobrir por si mesmo.
Gare du Nord, Paris, 23 de janeiro de 2007."

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Red Light

O bairro da luz vermelha desta cidade é pitoresco.
Turístico, "bem freqüentado", expõe moças em janelas, a maioria emoldurada com neon. Algumas chamam a atenção, não seriam de se jogar fora.
A maioria passou do peso, para uma exibição de corpo inteiro, e não cativa o olhar dos turistas. Muitas casas anunciam shows de sexo explícito. Meu voyerismo não chega a tanto.
As ruas são apinhadas de gente, meros curiosos. Os compradores das mercadorias estão lá, certamente, ou o aluguel das vitrinas não seria pago.
Há semelhanças e diferenças com o bairro congênere de Bangcoc. E com a rua Augusta de cada cidade brasileira, menos a proteção da polícia.

Notas

1. Viagem a Paris.
Três jatos apostando corrida sobre as montanhas nevadas do Irã, ao pôr-do-sol.
Eu estava no mais lento, e pude acenar para meus companheiros de jornada, sem obter resposta. Fotografei essa pressa.
2. A Tailândia.
Destino preferido de jovens europeus, o país oferece diversão, enquanto busca o desenvolvimento.
Nas calçadas, artigos de todas as grifes, imitações com graus variados de êxito. As comidas são feitas e apreciadas ali mesmo.
Com outro nome, vende-se a fruta-pão, que provei, em outro lugar (Bali, se não me engano).
Num passeio, um sistema de som expelia uma música tóxica, de louvores ao rei. Estilo norte-americano, década de 1950 ou 60.
Filmes promovem o rei, que tem efígies por todo lado, à Sadam Hussein. Também notei que seus óculos decoram as notas da moeda nacional, o Bath. Todas elas.
Nascido e criado nos Estados Unidos, onde cursou renomada universidade, o rei se esforça por não parecer ridículo.
Mas é. Todo rei ou rainha é.

Van Gogh

Alguns dizem que, em sua breve vida, Van Gogh não vendeu um único quadro. Outros, que teria vendido um. Afirmam, ainda, que um de seus quadros teria decorado um galinheiro.
Um quadro do mesmo pintor, hoje, custaria inimaginável cifra, caso alguém aceitasse vender.
Inúmeros artistas que participam da eternidade morreram sem o menor reconhecimento, a exemplo de Kafka. Ele cuidou que sua obra não lhe sobrevivesse, mas foi traído pelo amigo Max Brod, encarregado de entregá-la ao fogo. Borges observou, sagazmente, que o amigo apenas atendeu a intenção mais secreta do autor.
Harry Potter parece querer esgotar o estoque mundial de páginas em branco.
Esses fatos, creio, ilustram o aspecto aberrante de certas unanimidades.
Arles, 17.01.2007.

Volendam & Marken

Chego de um tour por essas cidadezinhas graciosas da Holanda.
Primeira parada, fábrica de sapatos típicos, de madeira. Um cidadão pegava gritos no recinto, num idioma que tem de ser holandês, porque não entendi nada. O amável gritão prosseguiu em outros idiomas, enquanto eu registrava a fabricação desses sapatos, de questionável índice de conforto.
O Júlio confiou-me a tarefa de degustar um bacalhau fresco em Volendã. Ele disse que tinha sido o melhor que já provara.
Fui direto ao restaurante indicado, e pedi logo o prato sonhado todos esses dias.
Junto com o chope artesanal, o kabeljauw provocou maravilhas. Estava perturbadoramente delicioso. Eu poderia acrescentar alguns elogios, mas não creio que seja necessário.
A loirona holandesa apresentou-me uma conta, que tive de rejeitar, por ridícula. Pedi o apoio de copos do restaurante, moda inaugurada pelo mesmo Júlio, em Praga.
Merkem é cidadezinha das mais pitorescas. Fotografei sem parar, embora o guia estivesse em ritmo de maratona. Os espanhóis mencionaram "conhecer a América em um dia", com aquele ritmo.
Na volta, piadas, espanholas e holandesas.

domingo, 21 de janeiro de 2007

A Pont du Gard

Eu mato, eu mato,
quem roubou minha cueca
pra fazer pano de prato...
bis.
Escrevi, dias atrás:
"Deixo a Provença em direcão a Carcassone. Ontem, a Pont du Gard. Esse guarda era mesmo cheio das "influências": tinha uma ponte e um castelo só pra si...
A Pont é parte de um aqueduto de 50 quilômetros de extensão, construído pelos romanos, há uns dois mil anos. O ribeirão Gauche, perto de Nîmes, lhe serve de cenário mais propício.
Quando cheguei o sol de inverno deitava luz imemorial e atravessei, desprevenido, os pórticos desse conduto aparelhado pelos séculos, talvez excessivos.
Do outro lado ouvi o diálogo e entendi as silenciosas urgências do sol. Os pórticos projetavam-se altaneiros sobre um riacho esmeralda, e o conjunto, inteiramente vitorioso, recebia generosas pinceladas de ouro.
Tanta beleza, concentrada num fim de tarde, era demasiado, e tive raiva de tantas tardes, pretéritas e futuras, em que não estive/estarei aqui.
Nîmes, 18.01.2007."

Amsterdã: a noite, o vinho, os queijos

O vinho branco desceu muito bem. Junto com os queijos, de clara inspiração francesa, foi uma experiência.
Eu concluíra que vinho branco bom não existe. O vinho desta noite provou que eu estava errado.
Comprado por cinco ou seis euros, o vinho desceu magnificando as papilas. Por pouco não fecho a garrafa e o levo para o Brasil.
Os queijos também contribuíram, numa noite de inverno despretensiosa e festiva.

Amsterdã

Dia pleno.
Primeiro, o museu nacional, de nome difícil. Muitos Rembrandts, dois deles colossais. Obras maravilhosas, de uma luminosidade inacreditável.
Depois, o museu Van Gogh. O pintor viveu em Arles e Saint Remy, na provença, além de Paris. Seus quadros são de uma beleza inaugural. Os Girassóis e A Colheita não são menos que perfeitos.
As pinceladas vigorosas, as cores incendiárias causam genuíno transporte de prazer. Gênio consumado, Van Gogh teve uma vida atormentada. Era sustentado pelo dedicado irmão, que morreu meses após o pintor e foi enterrado ao seu lado.
Seus quadros não faziam sucesso (nunca vendeu um único, segundo alguns) e, anos depois, um diretor de museu foi demitido, na Alemanha, por expôr a obra do artista, entre outros impressionistas.
Depois, a casa em que se escondia Anne Frank, que terminou assassinada pelos nazistas.
Após, fui à exposição Bodies. Trata-se de uma mostra do interior de corpos humanos, usando uma nova técnica de conservação de tecidos. Parece que minha visita coincidiu com a de todos os alunos de medicina da Europa: eles se plantavam em frente aos corpos, mesmerizados, insensíveis aos turistas (que também haviam comprado ingressos).
Fiquei estomagado, como diria um português. Apesar dos avisos de não toque, a multidão só faltou comê-los.
O ter ficado estomagado não me impediu de entrar no primeiro bom restaurante que encontrei no caminho, por acaso um uruguaio, que serve um suculento bife de chourizo.
Agora, penso que uns queijos vão bem, junto com o vinho branco que trouxe da Franca, para enfrentar esse inverno holandês...

Dias lindos

Já resumi o sul da França: vou ficar. Não por ora. Então, cabem algumas palavras.
"Ontem Vienne, a 20 minutos de Lyon. Mal cheguei e fui me embrenhando pela feirinha de sábado, misturando-me aos simpáticos habitantes. Depois, no sopé do monte Pipet, o cemitério e, estacionado na encosta, o teatro romano.
Maior teatro da Gália (13.000 assentos), foi restaurado em 1938 e hoje é uma demonstração da arte e do poderio romano.
Voltei à feirinha, para uma paella francesa. Ao pé do templo romano plantado entre belíssimas construções medievais, degustei essa iguaria, à sombra de vinte séculos, ou quase.
Depois, o couscous, sopa típica da região, com vários tipos de carnes, legumes e vegetais. A certa altura, fui brindado com o sonoro bon apetit!, de umas criancas que também escolheram o templo para o piquenique.
O vinho (do Rhône), climatizado naturalmente nas minhas andanças pelos monumentos, foi dialogando formidavelmente com a paella e os queijos caseiros que adquiri, direto dos fazendeiros, na mesma feirinha, de muitas felicidades.
Perfeito.
Tinha mais. Voltei ao teatro, atendendo convocação de um sol triunfante, e obtive algumas fotos, alguma vez convincentes.
De volta a Lyon, mais fotografia (noturna), compras e um jantar. Eu disse compras?
Uma portinha num impasse, só de restaurantes. A gente entra, o garçom vai logo tascando: reserva?
Eu Tinha, obra de uma brasileira estagiária do Mercure da estação. Que bom.
Após o champanha, os pratos foram se sucedendo vitoriosamente. Não sou desses que ficam por aí gostando de fígado.
Aquele estava maravilhoso. Juntamente com o peixe defumado e os queijos de fino extrato, compõe uma salada bastante popular entre os habituês, constatei.
Depois, uma vitela alemã, fumegante, num prato em brasa. Aí eu estava pronto para o queijo, branco e cremoso.
No mico da noite, pedi a conta após o queijo, e fui advertido pela dona do bouchon acerca da sobremesa.
Torta típica, evidentemente fantástica.
Menti que sou brasileiro, à saída.
Eles acreditaram. Ganhei o champanha de brinde.
Que bom estar aqui.
Lyon, janeiro de 2007."

Amsterdam continues

Júlio, você falou sobre um restaurante em Volendã, e do "melhor bacalhau fresco da minha vida". E como é o nome desse restaurante?
Estou salivando só de pensar...
As visitas continuam. Mudei de hotel, estou no Eden. Os termos internet e free, juntos, me mostraram o quanto eu estava errado em ficar em outro hotel.
O tempo é de inverno, com muitos ventos. Então, farei uma ronda pelos museus desta pacata Amsterdã.