sábado, 11 de outubro de 2008

Queenstown

O pequeno monomotor decolou sem cerimônia de uma pista de grama. No ascenso, curvas fechadas entremostrando as Remarkables e o Wakatipo, amplas belezas.
A 12.000 pés uma luz vermelha é ligada e alguém destrambelha a porta. O câmera se empoleira num estribo e a primeira dupla se joga. Quando penso que vou sentir medo ou, quem sabe, desistir, sou jogado mundo abaixo. Instrutor a reboque.
Primeira sensação, a vertigem da queda livre, a mais de 200 km/h, enquanto vemos alternadamente o avião indo embora, as montanhas, o lago, a outra dupla, enfurecendo o vento. O sol cegou meus olhos e vi o amor de eras, Deus, um parente que já morreu.
Finda a saudação inicial dos céus, em cambalhotas, a velocidade só aumenta, o vento se adensa, as montanhas e o lago te convidam, mas há receio. Pra onde se olhe, são belezas, rápidas demais para uma contemplação. Fixa-se a imagem de coisas em ângulos e velocidades impensáveis e isso é o melhor que podes fazer.
Quando já se está aclimatando a essa dinâmica, um puxão pelas pernas e tronco informa o trabalho da vela. Falta de ar e excesso de adrenalina na corrente sanguínea são o cenário interno na aproximação do pouso. Que ocorre suavemente, na grama macia, pondo fim a tanta queda, descabida.
Delírio, insensatez, mortes controladas, brilho de vida. São 9 horas. Nada mau, para um começo de dia.
Queenstown é cidade de muitos argumentos, e recordações perenes.
Qtown, 16 de janeiro de 2008.

Um vento cruel

Islândia, gélida ilha colonizada por noruegueses a partir do século 19, vergou sob o peso de um sistema bancário superdimensionado e excessivamente criativo, muito dado a exóticas transações com os russos. Foi a leilão no eBay nessa surpreendente sexta-feira.
O anúncio dizia que o comprador encontrará "um ambiente habitável, cavalos islandeses e uma situação relativamente desordenada". Dizia ainda que "Groenlândia e Björk não estão incluídas".
Na maior parte do século passado, a Islândia era pouco mais do que um ponto de descanso para as frotas pesqueiras do Atlântico Norte que cruzavam as águas entre Groenlândia e a ilhas Faroë. Reykjavík, onde mora grande parte da população de 320.000 habitantes, ainda parece um porto provinciano. Motoristas de táxi acenam para o presidente, e há uma sensação que a maior parte das pessoas tem alguma relação política, comercial ou de parentesco. Entretanto, apesar de seu ar sonolento, a capital islandesa foi transformada na última década. Uma forte expansão para mercados externos trouxe para o país uma influência desproporcional ao seu tamanho e tornou sua população uma das mais ricas per capta do mundo. Agora, depois de uma semana na qual os três principais bancos da Islândia desmoronaram e foram estatizados - colocando mais de $ 20 bilhões de euros (em torno de R$ 60 bilhões) em risco para a Europa - a fama está virando notoriedade. Como advertiu o primeiro-ministro Geir Haarde nesta semana: "Há um perigo real que a economia da Islândia seja tragada junto com os bancos, e a nação vá à falência."
Nas palavras de um investidor britânico: "É melhor os islandeses pegarem suas varas de pescar. Vão precisar de muito bacalhau para compensar o que perdemos."
Matéria no Financial Times de hoje assinada por Kate Burgess, Tom Braith Waite e Sarah O'Connor.

Pantanal

White Island

White Island

Santa Barbara

CRASH

Fernando Rodrigues, na Folha de hoje:
Ontem a Bolsa de Valores de Nova York fechou sua pior semana nos seus 112 anos de vida. Os papéis despencam há oito pregões consecutivos. A semana acumulou uma desvalorização de 18%. Já se pode usar, sem medo de errar, a expressão "crash" (quebra) dos mercados. É importante registrar esse momento, pois as quedas recentes eram ainda sempre menores em algum sentido do que as registradas em anos passados. A diferença agora parece ser o total descontrole dos agentes reguladores nos Estados Unidos, a incompetência e a tibieza política de George W. Bush e a globalização completa do mercado de ações.
Os economistas, e as pessoas sensatas em geral, dizem que a culpa pelo crash não é de George Bush apenas, mas de todo o sistema financeiro, governos etc.
Essas pessoas podem estar certas, mas lembro que, quando as urnas se abriram em 2000, Bush II tinha constrangedores 500.000 votos a menos que Gore. Jeb, capataz da sesmaria Flórida, e os tios na Suprema Corte (nomeados por papai Bush) deram uma mãozinha e Junior "ganhou" as eleições.
Bush II assumiu com um megassuperávit nas contas públicas. Cortou impostos dos milionários, vendendo a ilusão de que a economia cresceria, e o resultado são megadéficits, conforme a maioria dos economistas alertou que aconteceria.
Agora, temos um débil mental na presidência e a maior crise sistêmica da história nos devorando vivos.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Cruzando o Tongariro

Pantanal

O casal de tuiuiús festeja o Pantanal.

Paranaíba

ROUBINI

ROUBINI, na Folha de S. Paulo de hoje:
Sim, na última semana ou dez dias, o sistema financeiro inteiro parou de funcionar, não há mais empréstimos interbancários, não há mais transmissão de liquidez entre os bancos e do sistema bancário para o sistema financeiro paralelo, que está em extinção, e começa a chegar ao setor corporativo. As Bolsas se enfraquecem a cada dia, o mercado seca e os gastos começam a diminuir. Estamos a um passo do derretimento total.
Pânico, desespero, caos: vivemos a mais intensa catástrofe financeiro em 80 anos. E não chegamos ao fundo do poço.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Chapada Diamantina

Chapada Diamantina

O observador de eleições

Observador desenganado de eleições há muito, quisera eu ter escrito o que segue:
O eleitor brasileiro tem mania de olhar com distanciamento típico dos "scholars" o quadro de ruína de sua cidade. Age como se nada fosse com ele. Cômodo. Muito cômodo. Mas desonesto. Todos deveriam desperdiçar um naco deste domingo eleitoral para fazer uma introspecção. Pode ser após o despertar, barriga colada à pia do banheiro, enquanto espalha o dentifrício pelas cerdas da escova. Levando a experiência a sério, depois de bochechar e lavar o rosto, o portador de título eleitoral enxergará no espelho, ao se pentear, o reflexo de um culpado. Indo mais fundo no processo de auto-exame, o eleitor enxergará o óbvio: prefeitos e vereadores não surgem por geração espontânea. Eles nascem do voto. E o eleitor talvez levante da mesa do café da manhã convencido de que os dramas de sua cidade exigem dele uma atitude. Um gesto individual e consciente. Os problemas, por abundantes, não admitem mais que o eleitor se mantenha exilado no conforto de sua omissão política. Intimam-no a retornar à história de sua cidade, consertando-a. O primeiro passo é o abandono da tola retórica de que os políticos "são todos iguais". Não são. A igualdade absoluta é uma impossibilidade genética. É papel do eleitor distinguir diferenças, não erigir desculpas que, na prática, o eximem de pensar. O segundo passo é a caída em si, a descoberta de que se está diante de um desses momentos mágicos. Circunstância única, em que o poder está ao alcance do dedo indicador, que dedilha o teclado da urna eletrônica. A magia desse instante está na possibilidade de começar tudo de novo, do zero. Não é todo dia que se tem uma nova chance. Lembre-se: para o eleito inconsciente, o eleitor impaciente é um santo remédio. Assim, ao abrir o guarda-roupa, escolha um traje especial, à altura da ocasião. Leve a mão ao fundo do armário. Desencave aquela roupa empoeirada. Vista-se de cidadão. Ao ganhar o meio-fio, apague por um instante de sua mente os megatemas que polvilham a primeira página dos jornais. Esqueça George Bush. Risque de seus pensamentos a crise dos EUA e os reflexos dela no Brasil. Abra o seu espírito para as miudezas que o cercam. Se estiver num grande centro, respire com vagar. Absorva cada partícula de poluição a que tem direito. Aguce o tímpano. Deixe que os ruídos urbanos o invadam. Dê uma boa olhada na feiúra à sua volta. Repare na sujeira das ruas e dos monumentos. Fixe o olhar nos buracos da pista. Observe a ausência de transportes coletivos decentes. Note o lixo acumulado na quina do asfalto. Eis a cidade diante dos seus olhos. É nesse pedaço de universo, vísceras à mostra, que você come e passa fome, dorme e perde o sono, trabalha e fica desempregado, ama e odeia, canta e chora, espolia e é assaltado. É aqui que você vive e morre a cada dia. Entrando na cabine eleitoral, trate de pôr um ar solene na face. Não tenha pressa. Você é o dono desse momento. Aproveite-o. Deguste-o. Você é o protagonista do espetáculo. Faça uma visita ao seu interior. Encontre-se consigo mesmo. Certifique-se de que não esqueceu a consciência em casa. Converse com ela. Questione-a. Depois, estique o dedo e vote com a alma. Há sempre a alternativa de lavar as mãos e continuar entregando o caso à divina providência. Se preferir esse caminho, tudo bem. Mas não reclame amanhã, quando descobrir que Deus está morto. Sua omissão o matou. Sente-se. Reze. Peça perdão. Expie os seus pecados. A ruína política é você. PS.: O texto acima é adaptação de um outro, escrito pelo repórter nas eleições municipais de 2000.
Escrito por Josias de Souza às 20h07

Miguel de Cervantes

O herói Sancho e o licenciado Quixote escoltam Cervantes pela velha Madri.

Aniversário

Este é o melhor aniversário que já tive porque estou vivo porque posso lutar (e sorrir) porque posso perder, e recomeçar, e tornar a perder (é do jogo) e sobre isso apenas se diz: é a vida, sem falsificações. O melhor aniversário sem a afetação de encômios e presentes, melhor em si mesmo, fruto previsível da vida, um aniversário meu. Nunca foi tão difícil aniversariar, nunca tão auspicioso. Concedi-me mais tempo, com sua cópia enigmática de primaveras. Que venham as invenções, os enredos tortos e variados: assiste-me uma vida que pontualmente cumpre os ciclos das estações. Aniversario hoje, anunciando o fragor da existência. Mesmo nos dias de hoje é possível aniversariar. Enquanto isso flores juram o sol.

06.10.2001

domingo, 5 de outubro de 2008

Foz do Iguaçu

O manejo do tempo

Fomos perdulários no manejo do calendário todos esses anos. A largura dos dias a altura dos meses a profundidade da vida, imprópria para o uso: somos malabaristas bêbados equilibrados sobre o fio do tempo. Há muito não me envio epístolas na faina desairosa do ócio. Procuro procuro procuro-me no espelho no retrato nos escritos. O que me acho é vago é vão é cego e vário, eu ordinário. A chance ilusória de deter o assalto do tempo, aprisioná-lo em nossa desapercebida mocidade. Os achados da maturidade, os vacilos ante o mortal: oscilamos humanos entre exigências de deuses. 19.10.2001