sábado, 21 de janeiro de 2012
Gabriel Chalita
Há tempos não elogio ninguém, a ponto de estar com dificuldades de me reconhecer no espelho. Voltando da América Central, semanas atrás, folheei o mais novo livro de Gabriel Chalita, o candidato a qualquer coisa (parece que prefeito, no momento).
O livro, simulando uma acareação (ou pelo menos um diálogo) entre Sócrates e Thomas More, logo nas primeiras páginas se revela uma pequena coleção de tolices, pretextando esses filósofos.
Chalita é escritor prolífico. Confira os títulos: Amor, O Livro dos Amores, Felicidade, Pedagogia do Amor, Gentileza, O Peixe Azul, O Último Pinguim Feliz, A Ética do Rei Menino, Eu Acredito em Milagres, Educar em Oração, A Revolta dos Pequenos, O Livro do Sol e muito, muito mais, leitor insaciável.
Não terminei a obra, nas poucas horas na livraria La Selva de Cumbica. Parece que Chalita escreve um livro com a mesma freqüência, fervor cívico, entusiasmo e consciência limpa com que faço um número dois no banheiro.
Chalita convida os amigos para tertúlias no banheiro ou, antes, para inaugurar uma nova banheira, uma nova sauna, em champanhas. Ele tem visto (e nós também, cada vez com maior interesse - compartilhado pelo Ministério Público) seu patrimônio subir de forma misteriosa e inacreditável: "milagre!" diria o bom católico G.K. Chesterton.
Quanto ao resultado de suas obras, ainda é cedo para um julgamento definitivo, até porque sai uma por semana, ou duas, a depender do nosso azar. Cá entre nós, fico com minhas torres góticas, muito mais sinceras e embasadas.
O livro que tive em mãos se apresenta num papel rude, pior que o de jornal. Apropriado à obra. Chalita: existem usos mais nobres para o papel!
Perdão, leitor, mas não dá pra fingir que não vi. Além do mais, ele fez de novo, e as livrarias alardeiam o pré-lançamento.
Atitlán
Vindo para Guate reparei nos ônibus, de um colorido psicodélico, tripulados por ferraristas. São máquinas modernas, adornadas localmente, que voam pelas sinuosidades emolduradas por vulcões. Às vezes o passageiro é admitido de inopino, no passeio. O cobrador abre a portinhola traseira, pega o balaio, sobe uma escada pelo lado de fora, acomoda a bagagem no teto, desce a escada, pula para a oposta, abre a escotilha e se aconchega junto aos passageiros. Tudo com o ônibus em furiosa passagem montanha acima e abaixo.
Não concordo com os riscos assumidos, mas é bonito ver o trabalho desses acrobatas.
Guatemala
Filipe, o índio veio da foto, aliviou-me dos últimos dólares, exatamente os que me
socorreriam em caso de situação desesperadora em alguma fronteira agreste e sem
lei da América Central.
"Esta é uma situação desesperada", ele lembrou. "Não podes fugir ao seu destino (e ao quadro). Será seu ou de mais ninguém. Quando o pintei, senti certas urgências, certa ânsia; vi que o quadro me pintava, ria-se do mundo e o negava. Concluí: é isso ou a aniquilação! Será que o proprietário, anterior a qualquer negócio, virá?"
Quase não fui, mas o quadro, que me
reclamava desde o fim das eras, chamejava suas cores, e tive de ir. Pensei:
"um quadro se sonha em San Juan, nas orelhas do azulado Atitlán,
e não existirá se eu não for (ou pior, será vendido a outro turista)".
Adquirida a obra, em demoras (a transferência de dólares foi lenta e
dubitativa), tive dificuldade de voltar: no píer o piloto ameaçava apagar
meus registros de sua embarcação. Só a vigorosa intervenção dos amigos
teuto-hondurenhos salvou-me os planos. terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Marli meu travesti
O autor do panfleto petista Privataria é um artista. Não admira ser empregado da Record, do nosso bispo.
E também autor de Marli meu travesti, poema dissecado por Augusto Nunes, aqui.
domingo, 15 de janeiro de 2012
Viagem
O que é necessário para viajar?
Primeiro, por viajar entendo ir a lugares aprazíveis, para o necessário desfrute. Se você viaja a serviço, e não inclui nenhum lazer, lamento.
Não precisa ser longe, nem badalado entre viageiros: basta que seja bom estar lá, que divirta e faça bem.
Pessoas, lugares, paisagens, eventos, comidas, gostos, animais, cheiros, sabores, surpresas, olores, sorrisos, vivências: tudo junto, amigado ao imprevisível, sob os riscos próprios da aventura.
O que é necessário para, de uma vez por todas, viajar?
Primeiro, estar vivo. Seria muito desagradável, e uma grande falta de educação, comparecer morto a uma viagem. Evite.
É importante, ainda, ter saúde. Algumas doenças até admitem viagens, mas recomendo fazer as mais longas antes que sobrevenha o peso da idade e suas inadmissíveis exigências; antes da soberania dos pesares.
Saúde mental é talvez a principal. Pra viajar é essencial trazer a alma pronta para acomodar as dádivas do caminho; a mente organizada para se locupletar com as alteridades e exotismo.
Passado esse portal, angusto, o requisito seguinte é difícil: liberdade. Os escravos do dinheiro, poder ou adulação jamais alcançarão o lazer honesto, sua benfazeja diluição de nossas angústias. Preferirão investir um pouco mais, trabalhar com mais afinco, caprichar mais no verso ou no heroísmo; lustrar de novo a fachada.
Cumpridas essas exigências, é necessário ter tempo. Venho gastando confortável soma de tempo em minhas viagens, com o melhor proveito. Imaginam em redor que, após a aposentadoria, ou a aposentadoria dos filhos, terão todo o tempo para viver. Mas até lá terão sido escravizados pelos netos, por uma nova filial, uma obra qualquer.
Você precisa, ainda, de conhecimento. Não muito. Só o bastante para se conduzir pelo mundo com a naturalidade e o descortino de quem se aventura por uma nova parte do bairro onde mora. As ruas podem ser novas; as pessoas, desconhecidas, mas você sabe o rumo geral, e onde quer chegar, com segurança. Novos idiomas vêem se somar à língua materna, sem a substituir. Novos costumes são incorporados; mapas e guias serão consultados, e podem te levar pela glória ou pelo insucesso.
Ultrapassado tudo isso, recomendável ter algum dinheiro, para as gorjetas, as passagens, os cafés.
O mais, com sorte, você encontra no caminho.
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