sábado, 19 de novembro de 2011

O púlpito


Proferi algumas palavras, que pretendi edificantes: raras, ou uma xaropada, a platéia evadiu-se, sonida. Não estou informado das novidades do evangelho, ignoro as boas novas.

Desagradou-lhes algo, não sei. Naquela tarde tudo me condenou, exceto um cão, que aceitou parte do lanche.


Seja como for, não desperdicei a chance. Gabei o ócio, investi no lazer, arrisquei uma defesa - precária - da amizade, mas também nisso resultei inconvincente. As pessoas até defendem a amizade, desde que as deixemos em paz.  


Comecei discorrendo sobre o altruísmo, as vantagens de ajudar o próximo, os deleites de ser bonzinho o tempo todo, mas, atento às inclinações da platéia, fui incorporando algum individualismo, até finalmente aceitar a tese de que deveríamos ser livres para não termos seguros de saúde e previdência; ou dirigirmos carros sem freios e cintos de segurança.

O público não se altera, porém, com as novas cláusulas sociais, e perpetra fotos sorridas.

Preikestolen






















Contra o cigarro

Drauzio Varella escreve um libelo contra o cigarro, e sua indústria criminosa, na Folha de hoje. O tabaco encetou uma das campanhas publicitárias mais bem-sucedidas da história, com um rastro de (ao menos) 100 milhões de mortos, mais do que as primeira e segunda guerras mundiais, somadas.

E isso porque nossas decisões (inclusive as de consumo e estilo de vida) são influenciadas por fatores arbitrários, irrelevantes e - principalmente - alheios à nossa consciência ou o que julgamos ser nossos valores. 


Médicos já estrelaram publicidade de cigarro (promovendo-o!) e, no início do movimento feminista, a indústria aproveitou para vender os cigarros da liberdade. Isso mesmo, cigarros "da liberdade". 


Lembro de meus tempos de faculdade, quando tinha de conviver com fumantes em plena aula, assim como no ambiente de trabalho. Essa nossa moçada ingênua continua obedecendo à indústria do tabaco, continua morrendo, só que agora faltam-lhes desculpas. 


A posição frente ao tabaco era meu único ponto de discórdia com Hélio Schwartsman, o mais lúcido articulista do país, por suas posições excessivamente permissivas, tal como eu via. Mas notei que Hélio deixou de lado certo academicismo libertário, e passou a olhar a coisa como ela realmente é: a infame guerra dessa indústria contra nossas crianças. Nossas crianças!


Diz Varella:

O cigarro é o mais abjeto dos crimes já cometidos pelo capitalismo internacional. Você acha que exagero, leitor? Compare-o com outros grandes delitos capitalistas; a escravidão, por exemplo: quantos viveram como escravos?

E quantas crianças, mulheres e homens foram escravizados pela dependência de nicotina desde que essa praga se espalhou pelo mundo, a partir do início do século 20? O primeiro crime foi perpetrado contra algumas centenas de milhares de pessoas; o segundo contra mais de 1 bilhão.

Na história da humanidade, jamais o interesse financeiro de meia dúzia de grupos multinacionais disseminou tantas mortes pelos cinco continentes: 5 milhões por ano - 200 mil das quais no Brasil.

Faço essas reflexões por causa de uma série que estamos levando ao ar no Fantástico, da TV Globo, com o objetivo de dar força aos que pretendem parar de fumar.

Para escolher os personagens, pedimos aos espectadores que nos enviassem vídeos explicando por que razões pediam ajuda para livrar-se do cigarro.

As cenas são dramáticas. Mulheres e homens de todas as idades que se confessam pusilânimes diante do vício, incapazes de resistir às crises de abstinência que se repetem a cada vinte minutos.

Mães e pais cheios de remorsos por continuar fumando apesar do apelo dos filhos; avós que se envergonham do exemplo deixado para os netos; doentes graves que definham a caminho da morte sem conseguir abandonar o agente causador de seus males.

Em 22 anos nas cadeias, adquiri a convicção de que a nicotina causa a mais devastadora das dependências químicas. Largar da maconha, da cocaína e até do crack é muito mais fácil: basta afastar o dependente da droga, da companhia dos usuários e dos locais de consumo.

Em contrapartida, a vontade de fumar é onipresente; mesmo sozinho, num quarto escuro, o corpo abstinente suplica por uma dose de nicotina.

No antigo Carandiru, vi destrancar a porta de uma solitária, na qual um homem havia cumprido trinta dias de castigo. Com as mãos a proteger os olhos ofuscados pela luz repentina, dirigiu-se ao carcereiro que acabava de libertá-lo: "me dá um cigarro pelo amor de Deus".

Cerca de 75% dos fumantes se tornam dependentes antes dos 18 anos; muitos o fazem aos 12 ou 13, e até antes. Somente 5% começam a fumar depois dos 25. Por esse motivo, a Organização Mundial da Saúde classifica o tabagismo no grupo das doenças pediátricas. Conhecedores das estatísticas, os fabricantes fazem de tudo para aliciar as crianças. Quando tinham acesso irrestrito ao rádio e à TV, associavam o cigarro à liberdade, ao charme, ao sucesso profissional e à rebeldia da adolescência.

Hoje, espalham pontos de vendas junto às escolas, com os maços coloridos expostos ao lado de balas e chocolates nas padarias e das revistas infantis nas bancas de jornal.

Por que razão brigam tanto para patrocinar shows de rock e corridas de Fórmula 1? Seria simplesmente para aprimorar o gosto musical e incentivar práticas esportivas entre os jovens?

Que motivos teriam para opor-se visceralmente à Anvisa, quando pretende proibi-los de acrescentar substâncias químicas que conferem ao cigarro sabores de chocolate, maçã, menta ou cereja?

Existiria outra explicação que não a de torná-lo menos repulsivo ao paladar infantil?

Qualquer tentativa de conter a epidemia de fumo através da legislação é combatida com as estratégias mais covardes por lobistas, deputados e senadores a serviço da indústria. Na contramão do que deseja a sociedade, pressionam até contra a lei que proíbe fumar em bares e restaurantes.

O que esses senhores ganham com essa conduta criminosa? Estariam apenas interessados no destino das 180 mil famílias que trabalham nas plantações ou nas doações dos fabricantes?

Nós temos o dever de impedir o crime continuado que a indústria do fumo pratica impunemente contra as crianças brasileiras. Fumar não pode ser encarado como um simples hábito adquirido na puberdade. Hábito é escovar os dentes antes de dormir ou colocar a carteira no mesmo bolso.

O cigarro deve ser tratado como o que de fato é: um dispositivo para administrar nicotina, a droga que provoca a mais torturante das dependências químicas conhecidas pelo homem.   

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Recreação de Deuses

O mar emite montanhas
gráceis, gentis, necessárias.

Gigantes se
freqüentam
recreiam.

Em nós, a alta nota da alegria,
a acrobática nota da felicidade.

A emissão de montanhas pelo mar
inaugura sorrisos, pronto enriquece.

O baile aéreo de cetáceos
descreve poemas heróicos,
compreensões acontecentes.

A emissão de montanhas pelo ar
comove, pronto desrealiza.

Sobem aos céus montanhas.
Navegamos febris, incréus.
Baleias abotoam mar e céu,
conciliam esses dois azuis,
cosem nossos corações, abalados.  

Serão as fundações do mundo robustas
para suportar um tal transporte,
tamanhamente aparelhado?

O tráfego aéreo de baleias,
escândalo mais propício, compreende
lançamento, sorriso e splash.

Canoras baleias juram os céus
sonoras sereias alçam aos céus.
Fluidas, oscilam de um a outro azul.
O colorido do canto sobre abismos,
que calam sob o indizível.

Não indagamos da necessidade desse
aditamento. Só vivenciamos o lucro.

Salta depressa negro granito.
Urgente, com sua antigravidade,
absolve-nos das interdições da vida.

O que querem, a quem pertencem
esses titãs, ora denunciados?
Às nuvens, à música, ao mar?
Esse pertencimento, glorificado, transcende
a compreensão íntima, que apenas ensaiamos.

Os emissários do mar
com poderes ganham os céus
num acreditamento de sonhos
para a nossa comunhão definitiva.

O aparelhamento do mar, do ar
induz altas notas de alegria
banhos de felicidade.

Consumado em sonhos,
bradei às baleias cantantes,
e foi como se um rochedo
sentenciasse himalaias.
Ainda não terminei de acreditar
no que elas me disseram.
  
                                               6.10.11.