Sempre que
passo em frente, entro. Não é nada, é só um cacoete. Os vendedores, temerosos,
perguntam, entre nervosos e maravilhados ante a visão de um pobre:
- Ppppois não?
Meu procedimento é
simples: inspeciono os relógios, dos mais simpáticos aos mais caros. Naturalmente
os vendedores tentam sonegar a linha safira, com seus azuis cobalto e ouros ditosos.
Exijo vê-los.
Aproveitando a
receptividade, e ao ensejo de um exame rigoroso, me ponho a funcionar:
- Quero água quero
água quero água.
Água depressa se
providencia, para abafar o escândalo. Relógios descem ao parecer mais judicioso.
- Chocolates, café,
chocolate, café, belgium chocolate,
biscoitos...
Enquanto águas, chocolates, chás e biscoitinhos vão deliciando, fiscalizo os relógios, sua relativa eficácia
em registrar as proezas do tempo.
Sobre não ser
linear, o tempo é trêmulo, torto e propenso a cantorias, ébrio elementar; roliço
e namorador, dá cambalhotas, estatela nas imediações da realidade, e dança. Não
gostaria de denunciar todas as iniquidades do tempo, nem acredito seja esse o propósito
do leitor mais sóbrio. Basta dizer, com Drummond, que o tempo é o mais cruel dos escultores, e trabalha no barro.
As múltiplas
dimensões espaciais, posto franquearem a existência de mundos paralelos, não são nada, comparado à quase inadmissível idéia de multiplicidade temporal. Com
apenas uma dimensão, posso me deslocar para o futuro ou para o passado;
devagar, ao longo do presente - que é maneira mais econômica de viajar - ou aos
saltos. Com duas ou mais possibilidades simultâneas de deslocamento ao longo do
tempo posso dar saltos pra frente, pra trás, para os lados e também para fora
do tempo, subtraindo-me à sua passagem e reaparecendo em qualquer ponto que me
agrade.
É uma idéia
poderosa, convenhamos, negociar os poderes do tempo, ponderar-lhe as
incidências.
Os vendedores, que
renunciaram à pobreza na admissão de suas funções, saciam a curiosidade: é um
pobre, diga o que disser a propaganda, ainda temos pobres no Brasil!