sábado, 20 de setembro de 2008

Antonia Fraser perpetrou Uma Vida, sobre Oliver Cromwell. Ele nasceu em 1599, quatro anos antes da morte da rainha Elizabeth e da ascenção do rei James I, que patrocinou a versão da bíblia em inglês (reza a lenda que teria sido Shakespeare o tradutor). Morre-lhe o pai aos dezoito anos. Deixa Cambridge e volta pra casa. Casa-se em 1620 (a esposa lhe daria oito filhos). Carlos I sucede James I em 1625. Em março de 1628, Oliver ingressa na Câmara dos Comuns, câmara baixa que o rei convocava quando lhe dava na veneta, para reuniões por curtos períodos (os reis se aconselhavam com a Câmara dos Lordes, simulacro de Senado habitado por uma rica fauna de “nobres” puxa-saco do rei). Em maio é redigida a Petition of Rights, um dos documentos fundadores da moderna noção de Estado de Direito. Magoado, no ano seguinte Carlos I dissolve o Parlamento. O que se passa a seguir, e é retratado burocraticamente nas 650 páginas seguintes, é uma horrenda dança pírrica: Ao contrário do pai, Carlos I era um inepto. Inglaterra, Escócia e Irlanda agonizavam numa severa crise religiosa. Anglicanos, “papistas”, presbiterianos, “independentes” e outros descendentes dos sectarismos de Lutero e Calvino: uns e outros mandavam-se acaloradamente ao inferno. A questão é hoje ininteligível, dada a rígida separação entre estados e igrejas. Na época, a igreja era o formidável braço ideológico dos estados, com poderes de cobrar impostos, o que implicava profundos e insuspeitados reflexos no direito de propriedade, centro gravitacional de todo conglomerado social. Recentemente Mr. Lula disse algo como "manter" a separação entre estado e igreja. Interessante a idéia do metalúrgico que se imagina autocrata. A declaração foi dada em face de negociações “secretas” entre o Itamarati e o Vaticano, esse suave simulacro de um estado pirata. Tão secretas que ao Senado Federal foi negado ter ciência de seus termos. No final, anotei: Texto convencional. Oliver recebe da autora o benefício da dúvida, sempre, mesmo quando não há dúvida. Alguém disse ser inconcebível uma biografia sem certa empatia pelo biografado. Meritória, a tese prova que biografias de Hitler, Pol Pot, Stálin ou Mao são impossíveis. Oliver Cromwell foi um dos maiores bandidos do mundo, usurpador cínico sob o conveniente verniz de um carola. Abril de 2007.

Fausto

Vendo minha alma. Está novinha, quase sem uso. Vendo minha alma. Já dela não careço. Enquanto fui religioso, me serviria para habitar o céu; pretendia estreá-la no inferno. Ora está sem serventia. Não conheço os recursos, as funcionalidades de uma alma. Estou vendendo, não preciso mais. Se com a alma somos humanos, se com ela amamos, é controverso. A minha eu vendo, não sei a sua. O Fausto de Goethe é um dândi aborrecido; o Fausto de Mann é obsceno e resignado. Ambos se amarguram no previsível final; ambos sofrem de imperdoável irrealidade. O Fausto do Rosa – o jagunço Riobaldo – fatigador de desertos em tudo misteriosos, firmou pacto envergonhado, conseguiu a chefia do bando mas perdeu Diadorim. Vendo minha alma por preço justo, não por suborno em espécie. Se a venda é insensata, folgo com a companhia. Ao contrário da maioria, não acredito em castigos ou prêmios eternos. Vendo minha alma sabendo que contrato algum perdura ou prevalece. E por havê-la sem uso. Seu funcionamento silencioso, comparável ao de Deus, me angustia. Vendo minha alma, não meu corpo. Num mundo como o hodierno é até preferível vender logo a alma; não se demorar donzelo enquanto outros enriquecem ou assumem cargos importantes. Vou depressa vender-me. Depressa lucrar sem causa. Steven P. Morrissey, popstar inglês, cantou (em Maladjusted) que Satã rejeitou sua alma. Sem conhecer as tratativas que culminaram nessa cizânia, nem a extensão das ambições dos desavindos, penso que a virtude está com Satã. Eu jamais confiaria num cara que “perdoou Jesus” (conforme o cantor revelou, a um mundo incrédulo). Morrissey não tinha esse direito, não sem nos consultar (a mim e a você, ótimo leitor). Disse Borges, a respeito de Sturluson: “(...) famoso como historiador, (...) poeta, duplo traidor, decapitado e fantasma. (...) Dura palavra é traidor. Sturluson era – talvez – um mero fanático disponível, homem dilacerado até o escândalo por sucessivas e contrárias lealdades.”¹ Talvez seja o caso de lembrar o homem swiftiano, de “memória curta, que se faz necessária conforme as várias ocasiões que de hora em hora lhe surgem para diferir de si mesmo e jurar pelos dois lados de uma contradição”. Um homem acossado por lealdades contrárias me parece compreensível. Conheço muitos. Tenho amigos com lealdades contrárias e, curiosamente, não sucessivas. Nunca os vi escandalizados, mas talvez a dificuldade esteja em mim. A circunstância fortuita da decapitação também é tranqüila. Quão dura acusação a de ser fantasma! 18.5.2004 Paulo Coelho, nosso chefe literário no momento, fez um pacto com o Diabo. Solene, um pacto desses, para ser verossímil, deve ser vazado em carmim. Caneta Bic vermelha, no caso de Paulinho. Goethe deu tratos à bola para livrar a cara, e a alma, de seu Fausto. Paulinho só precisou dar uma voltinha, convencer-se da tolice e, no retorno, cancelar o pacto, unilateralmente.
Quê que você fez, Paulinho?! Não vê o transtorno que causou? Não dá mesmo para confiar em ninguém... ¹ Obras completas, p. 408, tomo I

A fuga

Deixa que fujam as galáxias todas contentar-me-ei com o calor de uma estrela. Viveremos na mais completa amplitude. Pois deixa que as galáxias se afastem todas, convulsas, em sua insensata jornada pelos céus. Ficaremos. Seremos humanos, mesmo assim. Que importa as galáxias fugirem, confusas, arrastando consigo o tecido espaço-temporal? Temos seu registro de luz, não nos desviaremos do caminho que convém seguir. Porfiaremos, humanos desde os princípios, junto a nossa pequenina e boa estrela. Luz e calor vitais. 9.2.2002

Ouro Preto

Ouro Preto

Chapada Diamantina

Poço encantado.

Brasília

Brasília acorda.