sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Pola Oloixarac

Uma leitura selvagem. Inexplicável o sucesso da moça. A linguagem não inova; o enredo não entusiasma. Os personagens são ligeiramente débeis, sempre a ponto de um desairoso desmanchar.

Sim, Borges é citado e parafraseado, o que não passa de obrigação de todo escritor moderno. Não sei que dizer. O livro se apresenta como uma feroz sátira da fauna intelectual que reina na universidade.

Que seja, e daí? Enquanto a Argentina desce os últimos degraus da indigência, fruto do kirchnerismo-menemismo, manifestações nauseantes de um peronismo requentado pela enésima vez, Pola vem satirizar a academia portenha. Quem se importa com essas ninharias? 

Para comparação, Borges desferiu um furioso ataque ao nazismo num momento em que Hitler ainda era Deus, e todos os líderes queriam lamber suas botas, ainda mais na Argentina.    

Ora temos a Argentina descendo ladeira abaixo, rumo a patamares "bolivarianos", e Pola perdendo tempo com pequenas perversões sexuais, drogas, internet.

Com alguns meses de trabalho não muito árduo, em regime de meio expediente, acho que conseguiria entregar material mais nobre, ou pelo menos mais urgente à editora...     

domingo, 28 de agosto de 2011

Millenium

Stieg Larsson escreveu uma trilogia desconcertante, toda ambientada no nosso por vezes risível século 21. 

Lisbeth, a heroína franzina, é uma hacker capaz de esvaziar as contas de um bilionário sueco, pouco antes de entregá-lo a seus ex-sócios de um cartel cocaleiro, para a morte certa. Ela tentara matar um espião russo evadido (seu próprio pai) duas vezes. Na terceira parte da trilogia ela conseguirá, é a nossa torcida sincera.

Comecei por aí, fui progredindo à segunda e por fim cheguei à origem de todo o Mal. 

Stieg lança uma grave acusação contra o gênero humano, embora muitos enxerguem apenas os petardos lançados contra os homens que não amam as mulheres, eufemismo para o ódio gratuito, sistemático e total contra vítimas indefesas.

A prosa não pertence à alta literatura, não pretende. Não precisa. Mas, uma vez que se comece a ler, é impossível não ir até a última página, e à primeira da próxima parte, em qualquer direção. A morbidez, a violência extrema, a sucessão do inacreditável, a covardia do homem comum, o insólito em cada parágrafo. 

A certa altura, estamos às voltas com a polícia secreta sueca, e com o que parece ser a estrutura estatal mais bisonha e grotesca de guarda da Constituição dentre os países dignos desse nome: a Constituição sueca é guardada por uma polícia política!               

Estado e igreja ainda não se separaram, o rei detém poderes absolutistas (como na vizinha Noruega) e eles não têm um tribunal constitucional... Todos os ingredientes para o florescimento de uma ditadura brutal, mas a Suécia é uma exuberante democracia: rica, próspera, esclarecida e exemplo entre as nações. 

Em meio ao paradoxo, movem-se com desenvoltura um jornalista brilhante, e seus amigos, uma jovem sem nenhuma competência social e criminosos implacáveis, que capturaram parte do estado sueco, inerme.  

Na vida real Larsson denunciou neonazistas e a extrema direita xenófoba, intolerante e sedenta de pogroms que assola a Escandinávia. No dia 22 de julho Anders Behring Breivik massacrou 77 noruegueses, jovens como ele. Descrito como fundamentalista cristão e ultradireitista - e também maçom, segundo ele mesmo, embora a filiação a essa seita permaneça secreta - esse facínora ilustra o tipo de demência social em cuja profilaxia Stieg se empenhava.         

A novela resulta uma pungente denúncia da prática, tolerada e acobertada, de predação, em todas as suas múltiplas formas. Quando se conhece a intensa atividade anti-nazista de Stieg, percebe-se que a obra se lança contra toda forma de violência, inclusive a praticada por instituições bolorentas ou equivocadas do estado moderno. Mas é claro, seu alvo principal é o terrorismo racial, religioso e político. O mesmo que atacou na vizinha Oslo - cidade encarregada da entrega do prêmio Nobel da Paz - enquanto eu velejava na aprazível Lofoten. 

Uma modesta proposta


Vinicius Torres Freire, na FSP de hoje, reproduz algumas idéias interessantes: 

Para economistas tucanos, "transição completa" do país depende de privatização ampla, geral e irrestrita

Economistas um dia associados ao governo tucano e a FHC têm um programa contra "tudo isso que está aí", como dizia o PT nos tempos fernandinos.

É um programa de oposição ao desenvolvimentismo acidental dos petistas. À herança econômica do estatismo militar (1964-85). À ideia de implantar um Estado de bem-estar social no Brasil, "à moda europeia"; à Carta de 1988.

Linhas de força desse "programa" foram apresentadas em seminário do Instituto FHC, na semana passada. Os expositores eram André Lara Rezende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e Pérsio Arida.

O seminário era um debate intelectual, não reunião partidária, claro. Mas o que se pregava por lá?

Primeiro, redução de gasto público e impostos de modo a permitir o aumento da poupança, do poder de decisão privado sobre poupança e investimento e, de quebra, a queda dos juros.

Não se trata só da ladainha sobre gasto excessivo e inflação. Não se trata de coisa pequena, mas:

1) da limitação legal da despesa pública (ideia de Malan);

2) de equilíbrio orçamentário que dê conta não só do deficit anual (2,2% do PIB) mas ainda da monstruosa rolagem da dívida que deveria ser amortizada anualmente (17% do PIB. Ideia de Franco);

3) de reforma fiscal-constitucional que reconhecesse a ilusão de que poderemos ter um "welfare state" europeu (Malan e Franco).

Segundo, propôs-se privatização, claro. Mas não só de empresas restantes ou da infraestrutura de serviços públicos. De um modo metafórico, mas não muito, propôs-se a "privatização" das reservas internacionais (ativos e moedas conversíveis comprados pelo BC, grosso modo dólares).

Isto é, sugeriu-se a liberdade geral de manter moeda no exterior (o que, hoje, pouparia o governo/BC de gastar na compra de dólares a fim de conter a valorização do real).

Em suma, pede-se a abertura da fronteira final das finanças (ideias de Franco e Arida), o que redundaria num mercado de câmbio mais equilibrado, além de reduzir ineficiências e incertezas que prejudicam investimentos do e no Brasil etc.

Propôs-se privatizar os recursos ou a gestão dos fundos de poupança obrigatória, como FGTS e FAT (Arida e Franco). Ou dar cabo do crédito dirigido por leis ou pelo governo (o dinheiro da poupança para habitação; o crédito rural).

Em 2010, o FGTS bancou investimentos de R$ 45 bilhões (63% em habitação, 24% em infraestrutura, 10% em saneamento). Dos R$ 41 bilhões do FAT, 50% foram para seguro-desemprego, 21,5% para o abono salarial e 11,5% para o BNDES.

Franco e Arida dizem que tais fundos expropriam o trabalhador (não rendem de fato quase nada) e beneficiam empresários com empréstimos baratinhos ("fisiologia industrial", no dizer de Franco). Além do mais, distorcem o mercado de crédito e impedem a queda dos juros. Sob gestão livre e privada, renderiam mais para os trabalhadores; a alocação de capital seria mais eficiente no país.

É um programa radical. É ignorado pela oposição, se é que os tacanhos tucanos do PSDB de hoje ainda merecem tal nome.

Politicamente, o "programa" não tem corpo nem alma. Mas é um bom debate num país em que o mercado é atravancado e o Estado está fora do lugar.