quinta-feira, 8 de março de 2012
Concernências azuis
Ushuaia. Estada de uma noite.
As pessoas vêem a luta e concluem: que criança mais insatisfatória!
"Canta pra mim, Jimmy!" e sorriu, na métrica dos flashes. Jimmy Z angariou fama quando filmou uma leopardo descascar e comer um pingüim, assombrando a expedição.
Na antártica funciona assim: a cada voltinha de bote se interage, quando nada, com jubartes risonhas.
No dia da partida, almoço no Tia Elvira, após o glaciar Martial. Fui de centolla e merluza negra, o que se tornou regra nesse porto. No dia anterior, cordeiro patagônico no almoço, de lei.
Antártica. [Não sei de onde tiraram Antártida. Temos o Ártico, não temos? Por que não teríamos a Antártica, oposta àquele? Talvez enxerguem um parentesco com a Atlândida. Confusione?]
Primeiro foram os blocos de gelo flutuando na tarde, como se sempre houvessem estado ali. Depois avistamos a tina vulcânica, escalavrada. Chegamos à Deception na presença da noite. Uma noite formal, cheia de sol e descobertas. Importante pólo baleeiro, ostenta as cicatrizes da insanidade e impenitência ecológica.
O vulcão reivindicou a ilha, na década de 60, pondo os militares pra correr e, agora, focas e pingüins disputam a propriedade das praias, com a ocasional intervenção de algum turista. Investigamos o mecanismo do por do sol naqueles domínios, e conhecemos concernências fantasmais.
Botes. Zarpamos para as escarpas, habitadas por seals e pássaros. Enveredados entre as ilhas, assistimos a um animado baile de icebergs tinindo seus neons. Uma galera ia logo à frente, e a víamos alternadamente: no fundo do encapelar, ou no alto de uma montanha de água. Sempre sabendo que seríamos os próximos.
Uma onda ganhou energia e nos surpreendeu, num banho glacial. "Lá se vai mais uma câmera", pensei, sem razão.
Hoje tivemos o continente. Os pingüins vêm bicar-nos, cuidando que comida de qualidade inferior se oferece.
Subi a duna branca e, logo, a montanha de neve. Vento oportunista, neve endurecida, entrando a gelo.
Pensei: "uma beleza desesperada, azul". Flutuamos por entre ilhas, montanhas, seals brincantes, neons e baleias. Na praia, esqueletos quilométricos descansavam, cálcio que o tempo vai gostando de lamber.
"Beleza desolada", corrigi-me. É fácil contrair depressão, aqui: a alma sofre uma carga dramática. Igualmente certo adquirir compreensão heróica e superior do estar no mundo.
Diamantes brutos oscilam em azuis, e às vezes dão carona a focas. Trouxe minhas fraquezas para experimentar. Tenho medos - certas insuficiências - que me seguem, e resultam em fugas da alma. A Antártica não resolve esses pânicos, mas sugere outras conformações de vida, tanto suaves quanto heróicas.
As pessoas vêem a luta e concluem: que criança mais insatisfatória!
Impressões. Pessoal legal. Vencemos Drake e, em pouco tempo, ninguém mais ignorava que venho do Paraguai, que professo um confuso pídgin e me nutro de panetones.
Subi na balança, após minutos de hesitação na improvisada academia. Anunciava 60 kg, nada mais. "Ora, o garoto! converteu em beleza todo aquele panetone, e aquelas toneladas de chocolate", pensei. Nova olhada, vi que tinha oscilado para 90 kg. "Você, meu velho, sei lá! Está com a formosura de uma morsa!"
Isso foi no inicio da viagem. Após quatro religiosas refeições por dia, mais os lanches piedosos a toda hora, a balança começou a oscilar entre 100 e 140 kg.
De volta ao lar. Esse simples e suficiente asilo, onde costumo presidir o nascimento dos dias e celebrar a consumação das noites. Nesses inícios dubitativos de ano sempre digo a mim mesmo: ao trabalho! Mas reconsidero a tempo, antes que algo de muito ruim aconteça.
A Antártica (perdoem o lugar-comum) volveu fundas perplexidades, que subjazem a essas empresas ingênuas que povoam nosso dia-a-dia. Trouxe alegrias e pesares, dores de renascimento; resultou mais profunda do que imaginara, com uma luz primal. E seus êxtases perduram. Inquietações, felicidades me afligem; necessidade de inaugurar nova vida.
A viagem inteira exigiu, mas declaro que os dias 15 e 16 trouxeram aventuras, e uma luz que mal pude tolerar. Diversas jubartes e minkes vieram conversar conosco, trocar confidências.
Jimmy sugeriu, em suas palestras não solicitadas mas muito apreciadas, que as baleias são capazes de reconhecê-lo e, com sorte, aos outros pilotos. Sorrimos polidamente, por amizade. Numa das voltinhas de bote, esperávamos todos, quando uma jubarte ficou de pé entre os botes, e alguns de nós (os mais incrédulos) ouvimos:
Na antártica funciona assim: a cada voltinha de bote se interage, quando nada, com jubartes risonhas.
quarta-feira, 7 de março de 2012
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