sexta-feira, 6 de abril de 2012

Augusto Nunes

Com o título Lembranças da OPEP, o jornalista Carlos Brickmann, sempre brilhante, publicou em sua coluna a seguinte nota:

"Lembra quando o Brasil se tornou autossuficiente em petróleo, ia mudar a matriz energética do mundo com o álcool, teria todos os problemas resolvidos com o pré-sal? Bom, o álcool está aí, mas o Brasil o importa dos EUA (aquele álcool que era antieconômico, lembra?)
Quanto à autossuficiência em petróleo, o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, informa que vamos importar 80 mil barris diários de gasolina. Traduzindo os números: de 1969 a 2009 não precisamos importar gasolina. Em 2009 voltamos a importar, nove mil barris por dia. Em três anos, a importação se multiplicou quase por dez."
Volto para a constatação: conjugados, o excesso de idiotia e a falta de memória garantem a mansidão bovina de milhões de brasileiros. A manada se contenta com pouco, acredita em tudo e não cobra nada.

Bufaleão

Passado século e meio desde que Darwin lançou suas idéias, corre o dissenso. As pessoas exigem provas menos acadêmicas desse evento difícil, a evolução.

Temos tantos fósseis, tantas demonstrações, não sei o que poderia encerrar essa cizânia, célebre. Parece que alguns se dariam por satisfeitos com criaturas híbridas, a meio caminho entre um e outro organismo conhecido.

No afã de contribuir, quis um mundo com o tipo de coisa que traria conforto a esses indecisos. Ignoro o grau de verossimilhança desses seres, e não quero adicionar-lhes detalhes que não estes:

Elefanzé: intermediário entre o elefante e o chimpanzé, é difícil não se comover com a ingente missão desse extraordinário animal. Sem conseguir saber se trepa numa árvore, com seus braços de mais de cinco metros, ou se a derruba com suas presas, um elefanzé imaturo traz não pouca perplexidade a seus pais.


Crocopato: simpático animalzinho, abandonou as imposturas dos crocodilianos e explicitou, finalmente, o parentesco entre aves, dinos e seus primos, os crocs

Rãcaco: misto de rã e macaco, é excelente saltador, sem falar que, uma vez no galho de uma árvore, navega aereamente a floresta, em franco desacato à categoria das cobras. Rivaliza com os exibidos colugos.  

Cãopótamo: amigo das piscinas, essa dócil criatura admite cavagaldura de crianças. Sua bocarra poderia abarcar o mundo, se este fosse só um pouquinho menor. 

Cangurata
 (canguru e barata): é injustamente odiado, só porque, às vezes, acontece de os armários em que sobe desmontar. Destrata imparcialmente cães e gatos. 

Polvardo
 (polvo e leopardo): passa metade das temporadas nos oceanos, metade nas savanas. Muito articulado, é todo agilidade. Capaz de passar dos 100 km/h, solta uma tinta confundindo predadores, em falhando outras táticas. Na água, aprendeu a zombar dos tubarões, com seus “dentinhos de leite”.   

Cãobuti (cão e jabuti): desanimadoramente lento, embora aplicado, desaconselha-se seu emprego como guarda ou guia. Não é infreqüente sua ida à caçarola.

Canguceronte
 (canguru e rinoceronte): bom jabeador. Ótimo empalador.

Morangotango. Descoberto por uma criança, não pode ser pensado, senão após investimento em sonhos e licenças. Precariamente equilibrado entre dois reinos, admite mordidinhas, mas também vive a amizade de galhos e da brisa fresca. Um morangotango maduro traz não pouca alegria, sendo o preferido das crianças, e também o nosso. É ademais sonoro.

Elerus. Também atende pelo nome vifante: estarrecedora mistura de elefante com vírus, essa criatura é o exercício do temerário levado às últimas conseqüências. Tão virulento quanto seus primos menores, it´s massive! Pensa numa infecção com esse cara, irmãozinho. E a vacina? Pensou na vacina?

Cangulesma. Infeliz reunião de canguru e o invertebrado, o animal vive dilemas entristecedores. Sua galhardia em saltar e vencer distâncias é frustrada pela gosma paralisante, mãe da interdição e do asco.   

Insensata junção do narval com o pernilongo, o narlongo dispõe de um vazado dente de marfim, com cerca de 3 metros, e o apetite próprio dos pernilongos. A simples menção desse nome basta para instalar o pânico entre os marinheiros e mergulhadores que prezam o próprio sangue, ainda que se saiba de sua preferência pelo sangue azul das baleias.

Em uma escola pública certa vez deparei com as seguintes colaborações, originais e válidas: vacamelo, baleão, leonça, ovelhótamo e cabaleia. Vacamelo eu compreendo. É quase impossível evitá-lo. Pergunto "como pode o baleão, amplamente difícil?" As crianças não explicam. 

Seja como for eu não poderia terminar esta lista sem o inacreditável, o impensavelmente maldoso, mil vezes bandido – o tristemente feroz e culpado bufaleão

Conquanto ridículo postular animal tão gratuitamente grotesco e perverso, o bufaleão habita meus pesadelos, incapaz de decidir se é presa ou predador, búfalo ou leão. Não tenho como descrever todas as deslealdades desse animal, fonte de todo constrangimento para os pobres zoólogos. 

Melhor renunciar a ele, leitor.