sábado, 31 de maio de 2008

Ibis em Marajó

Ibis espalhando incêndios nos céus da Ilha de Marajó (Pará)

Jalapão

Num fim de tarde, arde a duna exposta aos fuxicos do vento.

Enamorar-se



Enamorar-se é criar uma religião cujo deus é falível.”¹

É o amor. Terei de me esconder ou fugir. (...)
Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo.

É, eu sei, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória (...)

O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo.²
Para cada coração perfeito, há um amor que ele não pode sentir, um sentimento que ele não pode conhecer sem se perder. Isto é verdade, mas tento considerar que sou um invariável mentiroso.

Mesmo para um coração perfeito, há um amor que ele não pode sentir sem errar, sem se distrair. Isto é verdade, mas tento lembrar que eu sempre minto.

Para cada língua, há um verso que ela não pode escandir; uma história que ela não pode contar. Isto é verdade, mas só a cada dois mil anos.

O primeiro amor passou; o segundo também. Tentaste algumas viagens, nem sempre eficazes.

Agora te deleitas com o estar-só, às vezes confundido com solidão. Mataste o tempo, imitando o Chapeleiro Louco, e talvez por isso seja sempre 15 horas em teu reino, hora de cafezinho e trabalho.

Inútil lamentar ser um falso funcionário público. Muitos são falsos homens; outros, verdadeiros objetos de basiliscos. Anfisbenas nidificam no caminho.

O primeiro amor seria eterno; o segundo duraria tanto. Quanto durará o terceiro amor, que nem existe? Denunciarei, nos jornais, as insensatas oscilações do coração, os inevitáveis raptos a que está exposto?

É sem par o sofrimento do amor que se esvai. Frequentei a solidão por tempo demais, e estou exausto dessa austera extravagância.

Para cada amor, há um beijo que não pode ser dado, um abraço que se não estreita. Isto será verdade, se o leitor consentir.

                                                                                          Junho de 2004

¹ Borges, Nove Ensaios Dantescos, Obras Completas, tomo III.
² Idem, O Ouro dos Tigres, Obras Completas, tomo II, p. 519.