Os americanos convivem, há séculos, com uma aberração chamada colégio eleitoral. Se você pensou em um método maroto de contornar a vontade popular, acertou, é isso mesmo. O voto indireto foi a maneira de conceder mais poder aos estados escravistas do sul. Como os Estados Unidos são ricos, ninguém se preocupa em condenar esse grosseiro preconceito contra o povo. Agora, eles lutam por uma coisa banal: o voto nacional para presidente. Por que haveria de ser diferente, se o cargo é nacional? Abaixo, alguma luz sobre a questão:
domingo, 21 de outubro de 2012
Zelite
João Ubaldo Ribeiro:
(...) No setor das grandes questões nacionais, o julgamento do mensalão se
aproxima do fim, grande parte do suspense inicial já se foi e agora o que se
espera é, no interessante dizer do comentarista que escutei no rádio de um
táxi, a customização das penas, ou seja, a definição das punições que receberá
cada um dos réus condenados, por sinistro desígnio da zelite. Acho difícil
haver um problema que não tenha sido causado pela ação da zelite, é um grande
achado. E talvez nele esteja, afinal, uma novidade. Não muito importante,
quiçá, mas, na falta de outra, quebra o galho. Creio que já podemos cogitar da
inclusão de "zelite" nos dicionários como mais um coletivo da lavra
popular, com a observação de que por enquanto leva o predicado ao plural, mas
no futuro talvez perca essa peculiaridade. Acredito que logo estaremos dizendo
coisas como "a zelite não vai aceitar" ou "ele pertence à zelite
paulista". Não deixa de ser uma contribuição ao vocabulário da perseguida
língua portuguesa.
Resta, porém, definir direito o que é zelite.
Resta, porém, definir direito o que é zelite.
(...) a zelite vem desempenhando um papel
comparável ao dos comunistas de antigamente. No Brasil, com a notável exceção
de Oscar Niemeyer e Zecamunista, sofremos de uma lastimável escassez de
comunistas sobre os quais fazer recair a culpa de tudo o que diabo apronta. Os
comunistas, como testemunharão os mais velhos, tinham muita serventia e até
moças de conduta avançadex, como se dizia, eram fruto da doutrinação dos
comunistas. A zelite e seu braço direito, a imprensa venal, corrupta e a
serviço de interesses tenebrosos, vêm preenchendo essa lacuna, tão aflitiva
para quem não tem nada de substancial a dizer em sua defesa, a não ser, talvez,
o inconfessável.
Mas que diabo é a zelite? Sabemos que a palavra
vem de "elite". No caso, elite política e econômica. Imagina-se que a
elite política seja composta por quem está no poder. Presidente da República é
zelite política, assim como os que exercem alguma fatia do poder. Que outro
critério haveria? Ou a elite política está diretamente no governo ou o exerce
mediante fantoches e paus-mandados, caso em que, ao denunciar a zelite, estaria
denunciando a si mesma. Qual a zelite que se opõe aos que estão no poder? A zelite
financeira está com eles, os bancos prosperando e ganhando dinheiro como nunca,
como já comentou o próprio ex-presidente Lula. A zelite empresarial também não
parece descontente, a não ser quanto a um ponto ocasional ou outro. A zelite
das empreiteiras, então, nem se fala. A zelite artístico-intelectual, além de
não ter poder concreto para nada, não costuma pensar uniformemente. Não me
ocorre nenhuma outra zelite à qual se possa atribuir a culpa dos infortúnios
enfrentados pelos réus do mensalão. Quem aprontou a trapalhada foram eles, mas
a culpa não é do despreparo e dos erros deles, é da zelite.
A palavra já cria raízes em nossa terminologia
política e, ao que tudo indica, terá vida longa, porque serve para fingir que
se está explicando alguma coisa. Foi pegado com a boca na botija ou mentindo
deslavadamente, os planos deram errado? Distribua uma nota ou faça um discurso,
mostrando como a responsável é a zelite. O pessoal ganha, chega ao poder já
pela terceira vez, está no topo da zelite governante e, no entanto, a zelite,
até mesmo através do voto, fica atrapalhando. É por essas e outras que dá
vontade de arrolhar a zelite e sua imprensa e estabelecer aqui uma verdadeira
democracia, igual à da Coreia do Norte.
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