Hélio faz uma intervenção
primorosa a respeito da monarquia. Como pode alguém chamar de "rei"
um presunçoso que não aceitaria ter como amigo?
Terminam hoje as
celebrações do jubileu adamantino da rainha Elizabeth 2ª. Os britânicos e os
súditos das outras 15 nações das quais ela é o chefe de Estado já são bem
grandinhos para decidir se querem ou não mantê-la no posto. E, ao menos no caso
dos ingleses, tudo indica que querem.
A pergunta que não quer calar é: de onde vem tanto
fascínio com a realeza? A resposta passa pelo essencialismo, a irresistível
tendência dos seres humanos de enxergar uma natureza secreta por trás das
coisas.
Monarcas souberam explorar isso bem, proclamando
que se sentavam no trono por direito divino. Depois do Altíssimo, eram eles que
mandavam. Para reforçar a obediência, desde Homero reis reservaram para si os
melhores papéis ficcionais. Todos os heróis da "Ilíada" são soberanos
ou herdeiros. O mesmo vale para Gilgamesh, os reis Saul, Davi e Salomão, o
ciclo arturiano, Beowulf e até as histórias infantis, povoadas por príncipes e
princesas. Não é exagero afirmar que, em nossas cabeças, as noções de herói e
rei se misturam.
Após 3.000 anos de doutrinação política e
literária, seria uma surpresa se não víssemos a realeza favoravelmente. O
problema é que, com o progresso da civilização, o princípio mesmo da monarquia
se tornou moralmente injustificável. Como defender que um ser humano tenha
privilégios em virtude não de seu esforço (ou, se admitirmos o direito de
herança, do de seus pais), mas apenas de seu nascimento? É difícil imaginar
ideia mais antidemocrática que essa.
O mais incrível é que, em tempos nos quais apenas
sugerir que possa haver diferenças naturais entre raças, gêneros e grupos
sociais já aciona a patrulha do politicamente correto, milhões de pessoas ainda
se encantem com a mais absurda das dicotomias jamais criadas pelo homem: a
divisão do mundo em soberanos e súditos. Daí que, mesmo sendo inexpressivo, o
movimento republicano inglês tem toda a minha simpatia.