domingo, 16 de abril de 2006

Happiness – A History


The Economist resenha a obra Happiness – A History, de Darrin McMahon:
Na década de 1840, o eminente e rabugento escocês Thomas Carlyle queixou-se: “Qualquer mísero fedelho sobre a face da Terra tem a cabeça cheia de idéias de que é, será, ou – segundo todas as leis humanas e divinas –, deveria ser feliz”. Carlyle, felizmente, não viveu para ver a seção de auto-ajuda de qualquer grande livraria do século XXI, com as estantes gemendo sob o peso de best-sellers como “Felicidade Infinita”, “Felicidade Absoluta”, “Felicidade Duradoura”, “Felicidade Compulsória”, “Felicidade É Seu Destino” e “Encontre a Felicidade em Tudo Que Você Faz”. 
Já tive oportunidade de elogiar esses escrevinhadores, suas excelentes performances nos iletrados dias de hoje, mas vejo com reservas a violenta felicidade que eles tentam incutir em seus numerosos leitores.

Leiloam com fervor a auto-sugestão de felicidade. Os desafortunados, ao não mentir para si próprios, caem no pranto. As pessoas se reúnem para fazer garatujas, esgares e gargalhar, ainda que compulsoriamente, igualando-se de alguma forma aos sequazes de Stálin. Sabe-se que algumas alcançam a “felicidade” com argumentos anímicos realmente modestos, o que não surpreende. Outras alcançam êxtases quando um bandido confesso escapa da punição, ou quando um inocente é esmagado pela máquina do Estado.

Para mim, alvejar-me com o mantra “estou feliz” seria o mesmo que, ao perceber um pneu furado, eu descesse do carro e começasse a mentalizar o furo se fechando e o pneu inflando, tudo causado por pensamentos positivos. Porquanto muitos consigam, reconheço, humildemente, que a dificuldade deve estar em mim.

Felicidade, palavra indecidível, desiderato de todas as utopias, sórdidas ou risonhas, não pode ser definida. Mais que uma polissemia, há um desacordo essencial em seu emprego e legitimação. Darrin, o autor, PhD por Yale, evita essa cilada. Ele lembra que seu conceito moderno foi uma invenção do Iluminismo, para quem felicidade “era menos um ideal de perfeição divina do que uma verdade auto-evidente, a ser buscada e conquistada no aqui e agora”. A aristocracia federalista que se apoderou do nascente estado norte-americano adotou a “livre busca da felicidade” como um dos “direitos analienáveis” do homem (o homem branco, vamos deixar claro. Os escravos continuariam onde estavam).

Felicidade é modo de viajar, não um lugar para onde se queira ir, diz-se em redor. O lema, empobrecedor, abstrai que nem todos toleram a vertigem da viagem. A formulação de uma divisa nem sempre dá conta de um problema, fora dos muros de um partido ou seita.

As maiores autoridades em felicidade de hoje (os próceres de seitas e os escritores de livros de auto-ajuda) não deixam por menos. Exigem felicidade instantânea de seus adeptos. Alguns, honestos, se sentem infelizes ao não alcançá-la.   

Haveremos de ser felizes agora mesmo, ou isto pode ficar para logo após a morte? Temos alguma influência sobre nossa felicidade? Podemos adulá-la, na esperança de que se prolongue, frutifique?

"Será a busca da felicidade no outro lado da morte menos irrisória que neste?", indagava Borges.

Em última instância, defendo o direito das pessoas serem tristes, se lhes apetece; se assim melhor se percebem no mundo. Sei de economias anímicas que não dispõem de orçamento para vigorosos transportes de alegria. Então, muitas se contentam com suas tristezazinhas, tão indefiníveis quanto suas contingentes e voláteis alegriazinhas.

O que resta, talvez, seja uma modesta soma de contentamentos. A utópica felicidade está sempre além, a bordo do avião que passa e cuja fugaz sombra apenas vislumbramos na areia onde plantamos os pés.

Campo Grande (MS), 16 de abril de 2006.