sábado, 25 de dezembro de 2004

Kakadu Park

Uma coisa aprendi na Austrália: não falar mal dos ingleses. Em cada ônibus, avião ou bar, metade dos circunstantes será inglesa. Melhor não se meter com eles, leitor. Não é que na minha excursão havia um inglês? O Parque Nacional Kakadu é o maior da Austrália. Um lugar tão grande... tinha um inglês por lá, of course. Quem contempla-lhe o rosto tem a nítida impressão de que, inadvertidamente, entrou no desenho The King of the Hill, com todos aqueles personagens anódinos e inverossímeis. Um rosto gigante, mal decorado por uma boca pequena, de onde saiam palavras bem pequenininhas. Não se compreende a produção de um rosto com tão poucos e desusados traços. Censuraremos a natureza por tanta avareza? É possível um rosto com tanta economia de linhas? Essa mesquinhez me pareceu excessiva. Se Nicolai Gógol precisasse descrevê-lo, é quase certo que diria: “É de conhecimento geral que no mundo existem muitas dessas faces, na feitura das quais a natureza não quis dar-se muito trabalho, não usou nenhum dos instrumentos finos, tais como lixas, brocas e quejandos, mas simplesmente desceu a machadinha com toda a força: uma machadada, e saiu o nariz, outra, e resultaram os lábios; com dois movimentos de verruma grossa, fez os olhos, e soltou o resultado sem lixá-lo, para o mundo, dizendo: ‘vive!’” ¹ Não tenho a autoridade de Gógol, e jamais empregaria essas palavras, que poderiam ser mal recebidas pelos ingleses, um povo distinto. Contudo antipatizei logo de cara com aquele inglês, de várias máquinas fotográficas (uma delas igual à minha), no que fui logo correspondido. Vejam suas peripécias. À falta de cadeiras, ele puxou uma mesa, para sentar-se junto à fogueirinha após o jantar. Ali equilibrou primeiro uns 90, depois vigorosos 120 e, finalmente, todos os 190 mimosos quilinhos que Deus lhe deu. Como uma simples mesa suportou, não sei dizer. Sentados em cadeiras ou em mesas, ouvimos todos o guia tocar uma espécie de berrante do Território Norte: um cilindro que já deve ter sido de madeira e hoje é de fibra, de onde sai um som grave e enjoado. O sujeito passa horas entoando esse som, ininterruptamente, o que exige paciência. No dia seguinte, subimos a uma cachoeira, coisa de uns 80 m de queda livre. O tal inglês ficou conversando com Esther (a holandesa) lá em cima; o sol nos presenteava com plasma ardente. Ligeiramente preocupado com os 60° C, que cozinhavam os miolos, fugi, para uma fonte d´àgua, para refrigerar as idéias. E foi lá que presenciei a seguinte cena: vinha o econômico inglês, na fresca, sem camisa, quando engoliu uma mosca. Isso mesmo, uma mosca (não existe falta delas por lá). Após estremunhar e correr pra fonte d´água, ouvi esta fórmula, lacônica: - Like a suicide! Como um robusto inseto daqueles foi parar na pança do inglês, não posso dizer. Houve boatos de que todos aqueles galantes quilos premeditaram o acidente. Uma das versões dava conta que a defunta se aproximou imprudentemente da boca do inglês, sendo apanhada numa corrente de ar que a adentrava justamente naquele momento. Não acredito nessa versão, e o que eu não faria para punir seu autor. Solidarizei-me com o inglês, claro, tão logo pude controlar o riso, horas depois. Ele aprontou outras, mas não seria justo com os súditos de Sua Majestade ficar detalhando essas histórias. Darwin, dezembro de 2004.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

Natal em Sydney

É Natal, estou de volta a Sydney, após quase um mês pelo outback e costa australiana. Chove e faz um pouco de frio (nem tudo é perfeito). Um ótimo Natal a todos, desejando-lhes saúde, paz e prosperidade, sem querer ser original. Grande abraço.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Brisbane

Estou em Brisbane (de novo). Fui a Fraser Island, ilha muito bonita, mas tivemos dia nublado. Fraser, assim como Brisbane, fica em Queensland, estado do nordeste australiano. Terminei há pouco minhas andanças pela cidade. Brisbane tem um rio (de mesmo nome) que corta a cidade e é magnífico. Sua arquitetura e urbanismo são fascinantes. Agora uma pequena história. Intitula-se o caso da sandália. Ocorre que, após 3 semanas de andanças, meus pés já não toleram nada senão sandálias havaianas. Estão latejando, e ameçam deixar-me ir sozinho. Fui a uma pequena ilha chamada Fitzroy, a 50 minutos de Cairns. Lá chegando, a primeira coisa a faser foi dormir, ao som do mar, à sombra de uma enorme árvore. Ao acordar, foi como se tivesse começado a sonhar: ou meus sentidos me traíam ou uma moça estava fazendo topless na areia, bem à minha frente. Se era sonho, devo dizer que foi dos mais bonitos que já tive. Todavia, certifiquei-me de que era realidade, e para não constranger a moça, fui caminhar pelas pedras. Casualmente, para ir às pedras, era preciso passar por ela. As pedras estavam áridas, e desinteressantes, como sói acontecer com pedras, então voltei, passando em frente à sereia, que a essa altura apenas incrementara sua posição. Alguns passos mais, percebi que perdera minhas sandálias nas traiçoeiras pedras. Como uma coisa dessas aconteceu, não sei, mas, contrariado, tive de voltar. Como houvesse esgotado o número de vezes que podia passar pela moça, ocorreu-me tomar um atalho, pela mata. Esse caminho me levava para trás de onde a moça expendia seu charme. Adentrando a mata, umas irritantes folhas secas me denunciaram, e a pobre francesa acabou suspeitando de que estava às voltas com um tarado, talvez tentando fotografá-la. Eu jamais pensaria numa indignidade dessas, deve ser dito em minha defesa. Felizmente, após uma pequena procura, achei as chinelas, caídas nas amaldiçoadas pedras. Muito feliz por retormar aquele caminho, voltei, mas a moça se tinha ido. Depois nos encontramos, numa praia menos liberal, e o episódio das sandálias foi abafado, segundo me pareceu. Foi a primeira vez que perdi minhas sandálias nesta viagem, e espero estar mais atento da próxima vez. Se cuida, gente.