A Borges horrorizavam os labirintos e a falaz multiplicação dos espelhos, “seu infalível e contínuo funcionamento, sua perseguição de meus atos (...) Sei que os vigiava com inquietude. Algumas vezes temi que começassem a divergir da realidade; outras, ver neles meu rosto desfigurado por adversidades estranhas.”
Advogo que Borges deveria ser declarado o mais sábio entre os que experimentaram o século que alegremente desperdiçamos, e que ora evanesce em nossas lânguidas memórias. Eu o elegeria também o mais venturoso, não soubesse de certas suas tristezas: “O mundo, infelizmente, é real; eu, infelizmente, sou Borges”.
Cego na maturidade, a outros legou seu encargo de vigiar os espelhos, aparelhos de fatigar a realidade. A cada um de nós, que herdamos esse encargo, e também suas páginas e felicidades, ele atinge com esta verdade: “Tu és invulnerável”.
Domingo, 6 de novembro de 2005.