Autocontrole, seja para pessoas
ou governos, faz toda a diferença, e pode explicar a fortuna ou fracasso na
vida. Gustavo Ioschpe faz uma explanação primorosa, com foco nas chamadas "trocas entre gerações", que reproduzo, exaustivamente:
A
capacidade de sacrificar um pequeno ganho presente (comer um doce) pela possibilidade
de um ganho maior no futuro (dois doces) se relacionava com o bem-estar em
dimensões bem mais sérias ao longo de toda a vida.
Países são mais
complexos que pessoas, e o estado de um país não é igual a uma simples soma dos
atributos de seus habitantes. Mas creio que a diferença entre o todo e a soma
de suas partes também não pode ser muito diferente, especialmente se esse país
é uma democracia. E quero postular aqui que grande parte dos problemas que o
Brasil enfrenta se deve à nossa incapacidade de fazer essas trocas
intertemporais, de aceitar sacrifícios presentes para colher ganhos futuros. A
tese não é original — Eduardo Giannetti já a traçou com mais brilhantismo e
sutileza em seu livro O Valor do Amanhã —, mas me parece merecer mais atenção do
que a que lhe é costumeiramente devotada.
Se tivesse de fazer um
resumo grosseiro do que é o processo de desenvolvimento econômico, diria que
depende de pessoas, dinheiro e instituições. Quando falo de pessoas, quero
dizer produtividade, já que as outras variáveis — como o número de horas trabalhadas
ou a fatia de pessoas empregadas — podem rapidamente bater em um limite
intransponível, enquanto a produtividade pode aumentar indefinidamente. E ela
está diretamente relacionada à educação. No quesito dinheiro (capital), a
variável mais importante é a taxa de poupança. Que, grosso modo, determina
aquilo que os agentes econômicos poderão investir. Sem investimento não há
crescimento.
Por instituições,
entenda-se o arcabouço jurídico que garante estabilidade e previsibilidade a
empreendedores e trabalhadores, especialmente no que tange à proteção da
propriedade. Desses três fatores, só as instituições não são, direta e
explicitamente, fruto de trocas intergeracionais. Fazer poupança e criar um bom
sistema educacional são atividades em que o sacrifício dos pais está
umbilicalmente atrelado ao bem-estar dos filhos. E creio que não é por acaso
que o Brasil fracassa em ambas. Temos não apenas um dos piores sistemas
educacionais do planeta como também uma taxa de poupança historicamente baixa
(de 18% do PIB em 2010, contra 52% na China, 32% na Índia, 34% na Indonésia,
32% na Coreia do Sul, 24% no México e uma média de 30% nos países de renda
média, como o Brasil, segundo dados do Banco Mundial). Esqueça o pré-sal: não
estamos conseguindo acumular o combustível que realmente importa para
impulsionar nosso desenvolvimento.
Esses dados são
costumeiramente expostos nas páginas de jornais e revistas, e a análise que
sempre os acompanha, tanto no caso da poupança quanto no do ensino, é que é
tudo culpa do governo. Que não planeja o longo prazo, que não controla gastos,
que é corrupto e perdulário. Tudo isso é verdade, mas nosso governo não é um
ente exógeno que chegou do espaço sideral para meter a mão em nossos impostos:
nós o colocamos lá. E, apesar de ser doloroso reconhecê-lo, as ações dos
políticos espelham as nossas.
(...) A incapacidade de
se controlar está chegando também à nossa cintura: logo que as famílias saíram
da pobreza e passaram a poder consumir um pouco, o perfil nutricional do
brasileiro passou da subnutrição diretamente para o sobrepeso. Entre 1989 e
2009, a obesidade infantil mais do que quadruplicou. Hoje, um de cada seis
meninos de 5 a 9 anos de idade é obeso. Segundo o Ministério da Saúde, 49% dos
brasileiros têm sobrepeso.
Quando falamos de
escolas, a indisposição do brasileiro para sacrifícios é ainda mais aparente.
Em Xangai, fui visitar a família de um aluno humilde escolhido aleatoriamente e
vi algo que imagino ser raríssimo no Brasil: no modesto quarto e sala da
família, os pais dormiam em um apertado sofá-cama na minúscula sala ao lado da
cozinha, enquanto o filho tinha o quarto espaçoso para si. A prioridade era o
estudo do filho.
Quando você leu o título
deste artigo, provavelmente respondeu a si mesmo: "Eu faria de tudo pelo
meu filho". Mas, se você for um brasileiro normal, a resposta real terá
sido: "Tudo, desde que não atrapalhe o meu estilo de vida". Você topa
trabalhar duro para pagar uma boa escola, e acha que por isso mesmo é que a
escola não deve exigir de você que se envolva com os estudos do filho quando
chegar em casa cansado, à noite. Várias vezes eu vi pais carregando filhos
pequenos chorosos em restaurantes em horários em que estes deveriam estar
dormindo. Há dois meses, usando a mesma lógica do "não tinha com quem
deixar a criança", um sujeito levou o filho de 8 anos para explodir e
roubar um caixa eletrônico. Já ouvi muito pai querendo colocar o filho em
escola perto de casa — raramente encontro gente se mudando para deixar o filho
mais próximo de escola boa.
Entre poupar para dar
uma segurança aos seus filhos e comprar a geladeira nova, você opta pela
geladeira. Mesmo que nem tenha o dinheiro e se comprometa com prestações a
perder de vista. Entre renegociar uma Previdência impagável e empurrar o
problema com a barriga, escolhemos o segundo. E, quando a nossa irresponsabilidade
cobra a fatura, queremos que o governo segure nossas pontas. O livro A Cabeça do Brasileiro mostra que 83% de nós concordamos que o
governo deve socorrer empresas falimentares. Inacreditáveis 70% gostariam que o
governo controlasse os preços de todos os produtos do país. Queremos o retorno
garantido, sem topar correr os riscos. Queremos desfrutar tudo aquilo que os
países ricos têm, sem termos de trabalhar o que eles trabalharam para chegar
lá. Queremos um futuro glorioso, desde que isso não signifique sacrificar nada
do presente. Essa conta não fecha. Jamais fechará.
Antes de exigir dos
outros que melhorem nossas escolas, hospitais ou estradas, vamos precisar olhar
para nós mesmos e decidir se estamos dispostos a pagar, com sacrifícios no
presente, o preço de ser o país do futuro. Ou se continuaremos a ser a eterna
promessa, que comeu o doce da mesa assim que o adulto saiu da sala.