sábado, 28 de julho de 2012

Gustavo Ioschpe

Autocontrole, seja para pessoas ou governos, faz toda a diferença, e pode explicar a fortuna ou fracasso na vida. Gustavo Ioschpe faz uma explanação primorosa, com foco nas chamadas "trocas entre gerações", que reproduzo, exaustivamente:

A capacidade de sacrificar um pequeno ganho presente (comer um doce) pela possibilidade de um ganho maior no futuro (dois doces) se relacionava com o bem-estar em dimensões bem mais sérias ao longo de toda a vida.
Países são mais complexos que pessoas, e o estado de um país não é igual a uma simples soma dos atributos de seus habitantes. Mas creio que a diferença entre o todo e a soma de suas partes também não pode ser muito diferente, especialmente se esse país é uma democracia. E quero postular aqui que grande parte dos problemas que o Brasil enfrenta se deve à nossa incapacidade de fazer essas trocas intertemporais, de aceitar sacrifícios presentes para colher ganhos futuros. A tese não é original — Eduardo Giannetti já a traçou com mais brilhantismo e sutileza em seu livro O Valor do Amanhã —, mas me parece merecer mais atenção do que a que lhe é costumeiramente devotada.
Se tivesse de fazer um resumo grosseiro do que é o processo de desenvolvimento econômico, diria que depende de pessoas, dinheiro e instituições. Quando falo de pessoas, quero dizer produtividade, já que as outras variáveis — como o número de horas trabalhadas ou a fatia de pessoas empregadas — podem rapidamente bater em um limite intransponível, enquanto a produtividade pode aumentar indefinidamente. E ela está diretamente relacionada à educação. No quesito dinheiro (capital), a variável mais importante é a taxa de poupança. Que, grosso modo, determina aquilo que os agentes econômicos poderão investir. Sem investimento não há crescimento.
Por instituições, entenda-se o arcabouço jurídico que garante estabilidade e previsibilidade a empreendedores e trabalhadores, especialmente no que tange à proteção da propriedade. Desses três fatores, só as instituições não são, direta e explicitamente, fruto de trocas intergeracionais. Fazer poupança e criar um bom sistema educacional são atividades em que o sacrifício dos pais está umbilicalmente atrelado ao bem-estar dos filhos. E creio que não é por acaso que o Brasil fracassa em ambas. Temos não apenas um dos piores sistemas educacionais do planeta como também uma taxa de poupança historicamente baixa (de 18% do PIB em 2010, contra 52% na China, 32% na Índia, 34% na Indonésia, 32% na Coreia do Sul, 24% no México e uma média de 30% nos países de renda média, como o Brasil, segundo dados do Banco Mundial). Esqueça o pré-sal: não estamos conseguindo acumular o combustível que realmente importa para impulsionar nosso desenvolvimento.
Esses dados são costumeiramente expostos nas páginas de jornais e revistas, e a análise que sempre os acompanha, tanto no caso da poupança quanto no do ensino, é que é tudo culpa do governo. Que não planeja o longo prazo, que não controla gastos, que é corrupto e perdulário. Tudo isso é verdade, mas nosso governo não é um ente exógeno que chegou do espaço sideral para meter a mão em nossos impostos: nós o colocamos lá. E, apesar de ser doloroso reconhecê-lo, as ações dos políticos espelham as nossas.
(...) A incapacidade de se controlar está chegando também à nossa cintura: logo que as famílias saíram da pobreza e passaram a poder consumir um pouco, o perfil nutricional do brasileiro passou da subnutrição diretamente para o sobrepeso. Entre 1989 e 2009, a obesidade infantil mais do que quadruplicou. Hoje, um de cada seis meninos de 5 a 9 anos de idade é obeso. Segundo o Ministério da Saúde, 49% dos brasileiros têm sobrepeso.
Quando falamos de escolas, a indisposição do brasileiro para sacrifícios é ainda mais aparente. Em Xangai, fui visitar a família de um aluno humilde escolhido aleatoriamente e vi algo que imagino ser raríssimo no Brasil: no modesto quarto e sala da família, os pais dormiam em um apertado sofá-cama na minúscula sala ao lado da cozinha, enquanto o filho tinha o quarto espaçoso para si. A prioridade era o estudo do filho.
Quando você leu o título deste artigo, provavelmente respondeu a si mesmo: "Eu faria de tudo pelo meu filho". Mas, se você for um brasileiro normal, a resposta real terá sido: "Tudo, desde que não atrapalhe o meu estilo de vida". Você topa trabalhar duro para pagar uma boa escola, e acha que por isso mesmo é que a escola não deve exigir de você que se envolva com os estudos do filho quando chegar em casa cansado, à noite. Várias vezes eu vi pais carregando filhos pequenos chorosos em restaurantes em horários em que estes deveriam estar dormindo. Há dois meses, usando a mesma lógica do "não tinha com quem deixar a criança", um sujeito levou o filho de 8 anos para explodir e roubar um caixa eletrônico. Já ouvi muito pai querendo colocar o filho em escola perto de casa — raramente encontro gente se mudando para deixar o filho mais próximo de escola boa.
Entre poupar para dar uma segurança aos seus filhos e comprar a geladeira nova, você opta pela geladeira. Mesmo que nem tenha o dinheiro e se comprometa com prestações a perder de vista. Entre renegociar uma Previdência impagável e empurrar o problema com a barriga, escolhemos o segundo. E, quando a nossa irresponsabilidade cobra a fatura, queremos que o governo segure nossas pontas. O livro A Cabeça do Brasileiro mostra que 83% de nós concordamos que o governo deve socorrer empresas falimentares. Inacreditáveis 70% gostariam que o governo controlasse os preços de todos os produtos do país. Queremos o retorno garantido, sem topar correr os riscos. Queremos desfrutar tudo aquilo que os países ricos têm, sem termos de trabalhar o que eles trabalharam para chegar lá. Queremos um futuro glorioso, desde que isso não signifique sacrificar nada do presente. Essa conta não fecha. Jamais fechará.
Antes de exigir dos outros que melhorem nossas escolas, hospitais ou estradas, vamos precisar olhar para nós mesmos e decidir se estamos dispostos a pagar, com sacrifícios no presente, o preço de ser o país do futuro. Ou se continuaremos a ser a eterna promessa, que comeu o doce da mesa assim que o adulto saiu da sala.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A lógica do cisne negro

Nassim Nicholas Taleb, libanês radicado nos EUA, autor de Iludidos pelo Acaso e decano de ciências da incerteza, na Universidade de Massachusets, produziu uma diatribe contra nossas pobres certezas.

Comecemos definindo cisnes negrosum evento com três características elementares: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência, inventamos um meio de torná-lo menos aleatório e mais explicável.

Podemos incluir nessa categoria a Revolução Russa de 1917 (seguida do golpe de estado dos vermelhos), o 11 de Setembro e o surgimento do Google e Facebook. Quase certamente você pode incluir seu casamento, leitor, assim como as sandices das bolsas de valores.

Imprevisível, ele diz. Quão imprevisível? Tão imprevisível quanto o derretimento mundial de 2008 - que explicamos agora por falta de regulação financeira combinada com farra no crédito via juros baixos - ou a derrocada do império soviético em 1990.

Resultados impactantes: a Segunda Guerra Mundial, não prevista, moldou dramaticamente o mundo. Ninguém a antecipou, nem mesmo após as grandes invasões alemãs, muito menos seus contornos infames, até onde se sabe.        

Todos esses eventos recebem explicações simples, concisas e suficientes de nossa parte, com o beneficio da análise em retrospecto.

Aqueles historiadores que não se contentam com um inventário burocrático de fatos geralmente atribuem a SGM a fatores como ganância e loucura de Hitler, inépcia e ingenuidade de França e Reino Unido e esperteza trágica de Stálin. 

Faço reparos a essa visão: uma coisa é o receio dos americanos em servir de bucha de canhão. Outra é a posição do Estado americano, que faturou alto com a carnificina. Metade do PIB mundial estava em suas mãos, ao final dessa farra chamada SGM. Cá imagino que uma coisa dessas não aconteça por acaso.

O que chamamos História não passa de um amontoadinho à toa de narrativas mais ou menos arbitrárias e desprevenidas. 

Taleb desfecha um ataque certeiro contra os economistas, a quem dirige uma das mais sérias acusações: os modelos matemáticos, por mais sofisticados, são meras distrações de nerds, ao caírem no pecado capital - supor que os indivíduos agem racionalmente ao lidar com o dinheiro ou com incertezas. E critica os que sabem matemática "o suficiente para serem cegados por ela".  

Não dê ouvidos a previsores econômicos ou a previsores nas ciências sociais (eles são meros fornecedores de entretenimento), diz o autor, no que podemos considerar uma síntese bastante boa de todas as previsões para os mercados de ações que eu já li.

A seguir vem uma advertência importante: a curva na forma de sino gaussiana só ocorre no mediocristão (neologismo que implica: aleatoriedade moderada e acontecimentos não escaláveis. Sua lei seria: quando a amostra é grande, nenhum exemplar isolado alterará de modo significativo o agregado ou o total).

No extremistão as desigualdades são tantas que uma única observação pode exercer um impacto desproporcional sobre o agregado ou sobre o total. O extremistão produz cisnes negros. É caracterizado por grandezas escaláveis, aleatoriedade intensa e desigualdade extrema (e torneios tipo o vencedor leva tudo). É a tirania do singular, do acidental e imprevisto.  

Pertencem ao extremistão: riqueza, renda, sucesso na venda de livros, reconhecimento como celebridade, mercados financeiros, preços de commodities, taxas inflacionárias e dados econômicos em geral.

O extremistão dramatiza o problema da indução (ou problema do conhecimento indutivo), que tanto ocupou Bertrand Russel: como tirar uma conclusão geral a partir de pequenas amostragens? Algo funcionou no passado. Funcionará no futuro?

Bem, pra que tudo isso? A curva na forma de sino só vale dentro de um arcabouço de normalidade - ou seja, somente no mediocristão. Daí não conseguirmos prever os eventos mais importantes da vida, e cairmos no conto do vigário dos gerentes de banco.  

Tem lógica, o cisne negro? Tem, infelizmente.