sábado, 15 de janeiro de 2011
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
É isso aí
Vou publicar algumas fotos, em vez de tentar, inutilmente, descrever as virtudes do lugar.
Em Cook Island visitei Rarotonga e Aitutaki. São ilhas bem diferentes, de sabores diversos. Aitutaki é ilha baixa (um atol), com uma vida marinha exuberante. Raro é a capital do arquipélago, um lugar cativante.
Depois vieram os delírios do Tahiti. R.L. Stevenson anotou, a respeito:
"Poucos entre os que chegam às ilhas vão embora; tornam-se grisalhos no mesmo lugar em que desembarcaram; as sombras das palmeiras e os ventos alísios refrescam-nos até que morram, talvez acalentando até o fim a fantasia de uma visita ao lar, raramente realizada, raramente apreciada e, ainda mais raramente, repetida."
À época, algumas ilhas do Pacífico ainda tinham canibais, ou pelo menos testemunhas dessas práticas (Marquesas e Samoa, principalmente). Os nativos viviam essencialmente da venda do coco e seus derivados. Eram muito pobres.
Hoje o Tahiti e demais arquipélagos do Pacífico estão aparelhados para receber turistas sedentos de paraíso. E os nativos não poderiam ser melhores anfitriões. De uma humildade tocante, fazem amizade em minutos; são mestres em nos conduzir pelas lagunas, praias, recifes e montanhas.
Lembro de minha chegada a Fakarava, um atol remotíssimo, do qual nunca ouvira falar. O piloto havia pescado um enorme peixe, e o boato era que, na cozinha, uma conspiração ganhava foros, incentivada pelo dono da pousada.
Quando, às sete, a concha foi soprada, convocando para o jantar, o não ter almoçado me foi de grande valia. À guisa de entrada, uma sopa de mexilhões - absolutamente divina - me atordoou. Depois aconteceu algo ainda melhor: o peixe tocou as papilas, comunicando oceanos amanteigados, visitados por sabores inacreditáveis, de outro mundo, como se todas as fomes tivessem sido revogadas para sempre. É difícil entender o que se passou; recuperar-se de um mergulho desses nas profundezas da gula e da satisfação.
No jantar seguinte tomei assento à mesa com todos os hóspedes da pousada: Patrícia e Patrice, num jantar também memorável. Parece que o cozinheiro é marquesano, apurou o casal franco-colombiano.
Resta em Fakarava o melhor snorkelling do mundo. Funciona assim: ainda no pequeno porto, meia dúzia de gigantes napoleões te saúdam (com aquele olhar perplexo) e recomendam o mar. Se você acreditar neles - é claro que você vai acreditar - começam os delírios, logo que se adentra o pass.
Trata-se de um jardim de corais de mil cores, e os peixes vêm ver o que há. São barracudas, baiacus, meros, garoupas e uma miríade de pequenos peixes coloridos.
Os tubarões estão por lá, fazendo a ronda, fiscalizando o passeio dos peixes, cuidando que só os saudáveis concluam a viagem.
Nada supera a experiência nessa embocadura do tempo, quando a laguna comunica suas necessidades com o mar, num comércio repleto de beleza.
Outros sonhos têm cabimento nas águas azul cobalto do Tahiti, e vôos alucinados em seus passes.
Perto de concluir a aventura começa o mal-estar, a frustração. Permiti-me apenas 40 dias nesse sistema de sonhos, quando todo mundo sabe que é necessário uma vida inteira.
PS:
Alguns questionaram, na volta, por que tanto tempo, e tantas ilhas; se não estaria configurada a vadiagem, agora retirada do Código Penal, mas ainda repudiada pelas pessoas de bem. Respondo que os nobres deputados e senadores têm mais de 45 dias de férias e, bem, talvez eu não seja tão nobre quanto um senador da República, mas nunca me senti menos nobre que um deputado, ah, não senhor! Se bem que, ultimamente, os amigos têm notado certa inquietação, um açodamento mesmo, que me impele para coisas tolas, como viagens intermináveis. E o diagnóstico, como vocês podem adivinhar, é déficit de nobreza...
Quanto ao excesso de ilhas, pode ser que a crítica seja justa, mas lembro que o Pacífico ocupa quase metade da superfície da Terra. Vocês não queriam que eu fosse a um lugar desses para conhecer um ou outro pontinho, queriam? Aposto que queriam.
domingo, 9 de janeiro de 2011
As Montanhas de Papeete
De uma altura desesperada pende toda uma floresta exuberante. Árvores respeitáveis disputam com a rocha a propriedade do maciço; imprimem verdor e alegria à pele da montanha.
Do jipe vejo uma cascata de floresta: um quilômetro de altura e toda a glória. Nunca senti tanta vertigem no contemplar uma floresta (nos atóis a maior montanha que escalei não passava de meio metro...).
Cook Island.
Logo ao chegar pedi licença para conduzir motos. Eles concederam. No Brasil, a simples menção de um pedido desses teria resultado num alerta a todos os postos rodoviários, e na minha internação preventiva.
Aqui, toda uma equipe de peritos atestou, à vista do orçamento do dia (dois dólares neozelandeses):
"Sim, ele pode", e eu pude, abusadamente.
Saí aéreo pela ilha, dando rasantes e expendendo sorrisos, a me perguntar: "estou na contramão?" "Sim!" Ah, então está tudo bem...
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman comenta com rara maestria a questão do nepotismo, na folha de 08.01.11:
Todos os mamíferos investem nos cuidados com a prole. Lula é um mamífero. Logo, Lula investe nos cuidados com a prole.
Mais do que explicar a concessão de passaportes diplomáticos e férias no Guarujá a familiares, o silogismo escancara uma armadilha evolutiva: o desacerto entre nossa programação biológica e o ambiente moderno em que vivemos.
A natureza nos preparou para favorecer filhos, irmãos etc., mas isso não combina com as exigências democráticas de impessoalidade e mérito na administração pública. O resultado é a sucessão de pequenos e grandes escândalos de nepotismo, envolvendo favorecimentos suspeitos, contratações irregulares, funcionários-fantasmas etc.
Vale observar que o modelo tem alcance mais geral. O descompasso entre pendor biológico e mundo moderno ajuda a explicar outras mazelas contemporâneas, como a epidemia de obesidade (somos programados para gostar de doces e gorduras num ambiente em que gastamos cada vez menos calorias) e até o crime (o assassinato pode ser visto como uma forma extrema, e ilegal, de solucionar conflitos).
Voltando ao nepotismo, ele também está envolvido naquilo que o psicólogo Steven Pinker chama de paradoxo fundamental da política: o amor (e proteção) que pais dedicam a seus filhos torna impossível que uma sociedade seja, ao mesmo tempo, justa, livre e igualitária.
Se ela é justa, as pessoas que se esforçarem mais acumularão mais bens. Se é livre, elas os transmitirão a seus parentes. Mas, neste caso, a sociedade deixa de ser igualitária e justa, pois alguns herdarão riquezas pelas quais não trabalharam.
Sob essa chave interpretativa, uma ideologia política nada mais é do que a escolha de qual dessas características deve preponderar. Sistemas mais à esquerda enfatizam o igualitarismo, enquanto a direita enaltece a liberdade. Cada um deles define seu próprio "blend" como a materialização da justiça. O paradoxo, porém, subsiste
Assinar:
Postagens (Atom)