sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Oaxaca

Não sei por que escolhi uma cerveza bufadora. Isso nunca tinha me ocorrido antes.

"Hei, por que essa cerveja se chama bufadora?", indaguei.

O resto da tarde, quando concluía Oaxaca - bem, já sabem.

San Cristobal de Las Casas

Ao acordar o ônibus escalava a montanha na intenção de Las Casas.

Descobri um bebezinho sonhando em segredo no meu colo, a mãe invadida em sono.

O sol franqueava nívea manhã, e a névoa queria vales e montes.

Indinha e mãe dormiam em plena paz.

Com as mãos a lindinha comunicou-me pequenos mistérios. 

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Oaxaca

Já sai do hotel com más intenções. Fui a um museu com tesouros pré-hispânicos. Deleitei-me com a expressividade de certas esculturas. Umas irmãs gêmeas pareciam ter vida própria.

Depois, Maria Bonita. Um queijo oaxaquenho  acompanhou a limonada. A melhor bebida de Oaxaca é a limonada com soda, julgo.

Isso foi só distração. Quando o La Biznaga abriu, adivinhem quem estava lá, junto com franceses, suecos, e todos os famintos?

Eu.

Isso mesmo. E fui de ceviche de atum (regular), e carne assada a moda oaxaquenha. Aí sim, a experiência se deu.

Uma carne em tiras de felicidade, douradas. Junto com o queijo de cabra em amêndoas, foi estabelecendo riquezas e quereres.

Depois, o chocolate local, em torta, um verdadeiro desacato.

Após um giro pela cidade, com fotografia na luz temperada do fim de tarde, voltei ao Biznaga, para uns negócios inconclusos: a salada de jamon Pata Negra. Com melões (o que sói acontecer na Itália) e peras, fechou Oaxaca, provisoriamente.

Vivenciei gusanos, mezcal com laranja e chapolins puxados no tempero. Tudo diz com um México indígena,  exuberante, exagerado.

Que bom voltar!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Brasil bolivariano

Armando Castelar pergunta se, acaso, estaríamos descendo ladeira abaixo junto com Venezuela e Argentina. Você ainda pergunta, Armando?
Ao longo deste ano, diversas vezes me perguntaram se via alguma chance de o Brasil seguir por um caminho bolivariano, como o da Argentina e o da Venezuela. A pergunta em geral traduz certa ansiedade com a economia do país, por conta de indicadores ruins de crescimento e inflação.
Parte da dificuldade em lidar com essa questão é que nem todos têm a mesma visão do que é o modelo bolivariano. Muitos parecem preocupados com o risco de uma alta da inflação, com a concomitante intervenção nos institutos de pesquisa de preços, como ocorreu na Argentina com o Indec, o IBGE de lá.Como se sabe, a inflação oficial na Argentina é de 10%, enquanto a inflação real supera os 25%. Isso não ocorre no Brasil, mas por aqui também há uma distância entre a inflação dos preços livres (7,3% nos últimos meses) e a dos preços controlados pelo governo (1%), o que mascara a inflação real. Isso vai continuar em 2014, com a decisão de adiar o aumento da energia elétrica para depois das eleições.
Nas contas públicas há o número oficial e aquele que o mercado utiliza. Até nas contas externas há dificuldade de conhecer o número real, devido a só em 2013 se registrarem importações ocorridas em 2012.
Também há gente preocupada com a crescente divisão entre uma América Latina do Pacífico e outra do Atlântico e a percepção de que estamos cada vez mais nos alinhando com esta última. A Aliança do Pacífico, um acordo comercial do qual participam Chile, Colômbia, México e Peru, e ao qual devem se associar Costa Rica e Panamá, compreende o primeiro grupo. Esses países têm economias abertas, inflação baixa, bom ambiente de negócios, atitude amigável em relação ao capital estrangeiro e crescimento do PIB que é o dobro do nosso.
A parte "atlântica" da América Latina congrega os países do Mercosul, que inclui a Venezuela e no qual pode entrar a Bolívia, além de Equador e Nicarágua. São países com políticas econômicas de má qualidade, economias fechadas, inflação alta, elevado intervencionismo estatal e baixo crescimento econômico.
Muita gente associa o bolivarianismo a uma opção ideológica, calcada na intervenção estatal na economia. O bolivarianismo é, porém, acima de tudo, pragmático. A sua essência está na disposição do governo de sacrificar os fundamentos econômicos e institucionais do país para se preservar no poder. Nesse sentido, o bolivarianismo é uma versão contemporânea do populismo latino-americano de meados do século passado.
O elemento central é gerar um aumento do consumo privado, via transferências, gasto público, preços subsidiados, aumentos reais de salários acima da produtividade etc. De um lado, isso é popular. De outro, pressiona a inflação, piora as contas públicas, aumenta o deficit externo, compromete a situação patrimonial do setor público e piora o ambiente de negócios.
Não creio que haja ilusões com relação a essas políticas levarem a uma deterioração da economia do país. Elas não são escolhidas por serem boas, mas porque geram votos no curto prazo. E, com os votos e a falta de alternância no poder, o governo domina as instituições e ganha controle sobre a narrativa do que acontece com o país. Não por outra razão, o controle da mídia é elemento tão central do bolivarianismo.
Esse controle é indispensável para a manutenção do modelo quando o bem-estar começa a cair, como resultado das más políticas. Exemplo é a narrativa do governo venezuelano de que a alta inflação no país é culpa da oposição e dos especuladores, a quem ameaça com a cadeia se subirem os preços. Há outros exemplos na Argentina, na Bolívia e no Equador.
Muita gente não acredita que o Brasil siga por esse caminho, por ter instituições mais fortes e imprensa mais livre e atuante. É um bom argumento. Mas ignora que, quando o bolivarianismo começou, a imprensa desses países também era mais livre e atuante, e as instituições, a começar pelo Judiciário, mais fortes do que são atualmente. Foi o bolivarianismo que as enfraqueceu, não a sua fraqueza que trouxe o bolivarianismo.
Se o Brasil algum dia seguir por um caminho bolivariano, o primeiro sinal disso não virá da economia. O alerta de que isso está acontecendo virá do esforço de controlar a narrativa sobre as causas de um mau desempenho econômico do país, de forma a evitar que esse leve a uma natural alternância política.



Paulo Guedes

A espécie humana insiste na extraordinária ousadia de rejeitar suas despretensiosas origens. O homem criou narrativas de fuga de sua modesta natureza. Demos fôlego a nossas precárias existências elaborando as primeiras crenças e religiões. Era preciso dar sentido a vidas biologicamente acidentais, fragilíssimas e sobretudo curtas. O encantamento do mundo foi uma exigência de mentes primitivas assombradas pela grandiosidade de um incompreensível universo. Filósofos e teólogos deram significado a vidas efêmeras construindo pontes para mundos transcendentes, habitados por almas eternas. Sopros de esperança e magia alimentando nossa vontade de viver.

"O homem, um curioso acidente ocorrido num canto do universo, é inteligível: sua mistura de virtudes e vícios é aquela que se pode esperar do resultado de uma origem fortuita.

Se me fosse concedida a onipotência e milhões de anos para experimentá-la, não me gabaria de ser o homem o resultado de todos os meus esforços", observa o resoluto ateísta Bertrand Russell. "É curiosa a ideia de que uma proposta cósmica superior esteja especialmente voltada ao nosso pequeno planeta, pois seremos destruídos quando o Sol explodir e se tornar uma estrela anã fria e branca daqui a 1 bilhão de anos", prossegue Russell em suas dúvidas quanto às boas intenções do universo em relação aos humanos. O matemático e filósofo inglês tinha especial afeição por Baruch Spinoza, o farol holandês do iluminismo radical, cuja negação dos milagres e do sobrenatural, anúncio da morte do diabo e denúncia da credulidade das massas deram início ao desencantamento do mundo.


Compreender é um milagre ainda maior que existir. A consciência da transitoriedade de nossas vidas e de sua improvável transcendência torna imperativo realizar nossas possibilidades com ainda maior intensidade. Criamos significados para nossas vidas aperfeiçoando nossos talentos e cooperando com os demais em busca de sonhos comuns. Para Rousseau, a diferença entre o homem e o animal está na faculdade de aperfeiçoamento, de fuga de seus instintos naturais. "A vontade ainda fala quando já se calou a natureza." Que possamos dar mais significados a nossas vidas, aperfeiçoando-nos a cada dia de 2014.

Oaxaca recôndita

Após experimentar gusanos (coros) e chapolins (gafanhotos), junto com mezcal, hoje fui ao Maria Bonita sentir a cozinha oaxaquenha de raízes.

Não me arrependi, não.

Sopa típica (num primeiro momento, a gente fica chateado com tanta sopa num pais tão quente, mas depois acostuma) de abobrinhas e otras cositas, preparando o prato principal: pimenta recheada com coisas deliciosas.

Depois, um café de altitude, para desbastar o sono.

Após o museu (belíssimo), e a siesta, o jantar, com cordeiro e perdiz.

Como se fosse pouco, na volta ao hostel teve um chope encorpado. O leitor fica muito chateado se eu confessar que foi com amendoins?

domingo, 29 de dezembro de 2013

Oaxaca

Não disse que o México e uma festa?

Fui a Taxco, capital da prata no México, com um soberbo conjunto arquitetônico. Por qualquer motivo, que ora me escapa, lembrou a pequena cidade Bósnia que visitei ainda neste ano.

Agora, curto esta Oaxaca indígena e maravilhosa. Ruas lotadas, restaurantes impecáveis, construções coloniais.

No passeio de ontem, comida em buffet turístico, novamente. Perguntei ao um mexicano se aquela panelada negra que me dizia frijoles era mesmo de confiáveis feijões. Confirmado, coroei o arroz com o brilhante creme negro.

Era chocolate (na verdade, mole negro, picante), e passei as três horas seguintes comendo arroz com chocolate apimentado.

Pela noite, o restaurante La Biznaga me enganou. Pedi uma entrada, veio o mais delicioso taco que já provei na vida, em porção pantagruélica. O queijo de cabra, dialogando com o abacate, fez-me sentir coisas.

Depois, um mahi mahi, que venho cuidando desde o Tahiti, trouxe convicção e encantamento ao passeio pelo coração do México. Na folha da bananeira, o Dorado se estabeleceu em minha memória de glutão.

Sabem, nem sempre sou assim, pantagruélico.