Não me defino como ateu. Os outros é que são crentes, sem qualquer autorização ou arrimo. Não me defino por oposição aos outros, mesmo que tumultuosa maioria. E essa maioria quer porque quer que eu acredite na inexistência de Deus/deuses.
Não acredito, não acredito, não acredito!
O fato de Deus e os deuses não existirem, e bem assim o Saci, não me obriga a crer em sua inexistência. Deixem minhas crenças fora disso! Já as mulas-sem-cabeça são um caso à parte, tormentoso.
Hélio faz, abaixo, outra sóbria intervenção no vespeiro religioso. Matou a pau:
Não acredito, não acredito, não acredito!
O fato de Deus e os deuses não existirem, e bem assim o Saci, não me obriga a crer em sua inexistência. Deixem minhas crenças fora disso! Já as mulas-sem-cabeça são um caso à parte, tormentoso.
Hélio faz, abaixo, outra sóbria intervenção no vespeiro religioso. Matou a pau:
Basicamente, coloquei-me do lado de Daniel [Sottomaior], quando afirma que não existe algo como fundamentalismo ateu, pelo menos não se definirmos o ateísmo como a posição daqueles que não acreditam em afirmações extraordinárias como a existência de um Deus pessoal, milagres e demais violações ao que sabemos sobre a física e a lógica sem que elas se façam acompanhar de evidências palpáveis.
A palavra fundamentalismo, compreendida como uma adesão irrestrita a dogmas e crenças axiomáticas, não combina com ateísmo, porque o incréu racional se veria compelido a mudar de opinião com a apresentação de provas. Se o Criador surgisse nos céus e se comunicasse com a totalidade da população mundial demonstrando seus poderes, por exemplo. Convenhamos que, se o Deus judaico-cristão de fato existisse e tivesse apenas uma fração dos poderes que a tradição lhe atribui, não teria nenhuma dificuldade para realizar um truque desses.
Já um fundamentalista religioso é alguém que não muda de opinião, pois não há uma forma lógica possível de indicar para além de qualquer dúvida que o Deus judaico-cristão não existe. Ele é definido de modo que sempre pode escapar para os interstícios do discurso e da própria epistemologia. Ou, para colocar o problema num exemplo concreto, eu poderia demonstrar a existência de Papai Noel capturando-o e o apresentando aos céticos, mas não há como provar que o bom velhinho não existe, pois o fato de eu não encontrá-lo mesmo com séculos e séculos de busca pode significar apenas que não o procurei direito. Nesse sentido, os ateus estão do lado confortável da equação, já que, por idiossincrasias da lógica (é difícil refutar um juízo particular negativo), caberia aos religiosos provar que o Deus monoteísta existe, o que ainda não fizeram em cerca de 2.000 anos de cristianismo e 3.000 de judaísmo.
Se a questão da existência ou não de um Criador é tão elusiva do ponto de vista formal, por que a maioria da população do planeta continua, com tão pouca base concreta, acreditando em algum tipo de entidade metafísica que comanda ou pelo menos influi nos destinos dos homens?
O meu palpite, que é referendado por um número crescente de psicólogos e neurocientistas como Catherine Caldwell-Harris, Andrew Newberg, David Comings, é o de que estamos aqui lidando com diferentes estilos cognitivos. Ateus privilegiam as camadas mais externas e frontais do cérebro, além do córtex anterior cingulado, dando preferência a raciocínios lógicos e exatos, enquanto os crentes se fiam mais nos lobos temporais, confiando em suas intuições. Não é um acaso que uma resposta religiosa comum às objeções dos ateus seja: "eu sei que Ele existe".
Pessoalmente, já adotei um ateísmo mais militante. Achava que era importante expor o maior número de pessoas a ideias ateias para que elas pelo menos soubessem que é possível pensar fora do registro das religiões e chegassem a suas próprias conclusões. Continuo pensando que o debate franco é positivo, mas estou cada vez mais inclinado a considerar que o que define a religiosidade de uma pessoa é uma complexa combinação de fatores genéticos e socioculturais. Nesse contexto, a militância (seja ela do lado religioso ou ateu) se torna menos importante, pois acaba sendo uma espécie de pregação para convertidos.
É claro que, no que concerne a direitos e liberdades, tanto religiosos como ateus estão autorizados a dizer o que bem entendem. Enquanto permanecermos no reino das palavras, estamos seguindo as regras do jogo democrático. Tentar converter ou desconverter alguém é plenamente legítimo, tanto para Richard Dawkins como para os testemunhas de Jeová. E nem é preciso que os argumentos sejam bons. Só o que não pode acontecer é que saiamos do campo da semântica para adotar técnicas mais físicas de persuasão, como a censura a ideias, sob pena de prisão, e as fogueiras, que já foram utilizadas no passado. É também por aí que acho que não podemos falar em fundamentalismo ateu, uma vez que jamais ouvi falar de um que adotasse outra arma que não o discurso. Na verdade, considerando que foi só muito recentemente que conquistaram o direito de expor livremente seus pontos de vista, ateus até que fazem um uso bastante parcimonioso da palavra.