sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Dominância Fiscal (Bernardo Guimarães)

Alguns economistas têm alertado que uma das possíveis consequências do desequilíbrio nas contas públicas é o aumento da inflação. O que uma coisa tem a ver com a outra?

A inflação é, entre outras coisas, um imposto sobre o dinheiro que portamos.

Uma alta nos preços de 10% significa que a nota de R$ 10 perde parte do seu valor, pois essa nota só compra agora o que antes custava pouco mais de R$ 9.

Para onde vai esse R$ 1?

Quando emitiu essa nota, o Banco Central a trocou por algo que valia R$ 10.

Digamos que essa nota circulou na economia e, depois de uma inflação de 10%, voltou para o Banco Central, trocada por títulos públicos. Essa nota só comprou o que antes valia R$ 9.

Assim, a perda de valor do dinheiro causada pela inflação gerou uma transferência no valor de R$ 1, de quem portou a nota de R$ 10 para o Banco Central. A inflação funcionou como um imposto sobre o porte de dinheiro.

A base da arrecadação do imposto inflacionário é a quantidade de moeda que circula na economia. A alíquota do imposto é a inflação.

Se o governo não arrecada o suficiente, a inflação pode ser o imposto que fecha a conta? Quanto esse imposto é capaz de arrecadar?

A quantidade de moeda na economia (a chamada base monetária) é hoje cerca de R$ 250 bilhões, cerca de 4% do PIB brasileiro.

Uma inflação de 0,5% por mês (próxima da dos anos passados) resulta em uma “arrecadação” do imposto inflacionário de cerca de 0,25% do PIB em um ano.

Uma inflação 60 vezes maior (1% ao dia) levaria a uma arrecadação 60 vezes maior (15% do PIB)?

Não, porque um imposto desestimula justamente o que gera a base da arrecadação.

Antes do Plano Real, a inflação era cerca de 1% ao dia.

Pessoas e empresas buscavam deixar quase todo o dinheiro aplicado, ficando com a menor quantidade de moeda possível.

Assim, a quantidade de moeda na economia girava em torno de 0,8% do PIB. O imposto inflacionário arrecadava cerca de 3% do PIB.

Com o Plano Real, a alíquota do imposto inflacionário (a inflação) caiu drasticamente. Ficar com dinheiro no bolso se tornou menos custoso. Para empresas, não valia mais a pena incorrer em custos altos para ficar com o caixa zerado no final do dia.

Logo após o Plano Real, a quantidade de moeda na economia quase triplicou. Aos poucos, pessoas e empresas foram se acostumando à nova situação e a quantidade de moeda na economia continuou aumentando.

Os dados mostram que uma inflação 60 vezes maior gerava uma arrecadação do imposto inflacionário apenas 12 vezes maior, porque a quantidade de moeda na economia era um quinto do que tem sido recentemente (tudo como proporção do PIB).

Conclusão: para uma arrecadação significativa de imposto inflacionário, é preciso uma inflação muito alta.


Essa seria uma solução muito ruim para o desequilíbrio fiscal. Podendo escolher, qualquer governo vai preferir o ajuste fiscal à inflação.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

GREVE

Fecho 40 dias e 40 noites de greve.

Só deus sabe o preço que paguei por essa decisão (deus e VISA).

Pior que foi em euros, nas ilhas Maurício, Rodrigues, Reunião e Seychelles.

Seja como for, agora retomo o trabalho.

Todo início de ano faço a mesma promessa solene, irrevogável, urgente: ao trabalho!

Mas reconsidero a tempo, antes que algo de muito ruim aconteça.

Dito isso, lanço essa charada: cavalos usam chapéu?

Depende, se for um cavalo muito formal...

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Samuel Pessoa

Dominância fiscal é a situação em que o Estado não consegue gerar receita, por meio de impostos ou contribuições, suficientes para financiar seus gastos. Nesse caso, é necessário imprimir papel. A receita da impressão do papel, chamada de senhoriagem, fecha a conta.

Em um mundo com um banco central independente, o mecanismo é um pouco diferente. O BC não pode imprimir papel e entregá-lo diretamente ao Tesouro para que pague suas contas.

Mas ocorre de forma análoga: o BC remunera a liquidez do sistema bancário a uma taxa muito mais baixa que a necessária para estabilizar a inflação (visto que a taxa necessária para estabilizar a inflação produziria crescimento explosivo da dívida pública). Dessa forma, o Tesouro consegue colocar títulos no mercado a taxas também baixinhas.

Os juros baixos têm a função de controlar o crescimento da dívida e, com ele, um importante componente do gasto público, o serviço da dívida. Ou seja, dominância fiscal é aquela situação em que não é possível controlar a inflação, pois o juro que a controla produz explosão na dívida pública.

Qualquer brasileiro mais velho sabe muito bem o que é dominância fiscal. Nós convivemos com ela desde 1950, aproximadamente, até 1998. A partir de 1999, com o forte ajuste fiscal e seguidos anos de elevados superavit primários do setor público, parecia que tínhamos passado a ser um lugar normal.

Os seis anos de vigência da desastrosa nova matriz econômica, de 2009 a 2014, nos levaram de volta ao passado.

Hoje temos uma dívida que cresce como bola de neve e uma presidente muito enfraquecida, que não terá capacidade de promover a elevação de carga tributária e/ou a redução de gastos públicos requeridas para nos distanciamos da dominância fiscal.

Possível saída temporária, defendida pela competente economista Monica de Bolle, é retornarmos aos anos de 1995 a 1998, quando seguramos nossas inconsistências fiscais no câmbio, com o protagonismo de um destemido presidente do BC, Gustavo Franco, que segurou nossa moeda com muita saliva, autoconfiança e muito juro!

O regime de câmbio fixo, ou alguma variação dele, pode ser um guia para manter a inflação em níveis civilizados até que os políticos consigam encaminhar soluções ao impasse fiscal e saiamos da armadilha da dominância fiscal?

Penso que não. Aqueles anos, de 1995 a 1998, foram um período de ganhos de termos de troca. Regime de câmbio fixo ou assemelhados funcionam muito mal em períodos de perda de termos de troca.

Adicionalmente, os fundamentos macroeconômicos eram diferentes. Os deficit primários de 1995 a 1998 foram, em percentagem do PIB, respectivamente zero, 0,1 e zero. Os deficit com os quais nos defrontaremos nos próximos anos serão por volta de 1% ou mais.

Adicionalmente a dívida pública, líquida das reservas internacionais, era bem menor, e parte dela era dolarizada. É ruim se o câmbio se desvaloriza, mas é ótimo se o câmbio não anda: os juros pagos em dívida dolarizada são bem menores do que os juros pagos na dívida em real. O repasse de subidas da taxa Selic, com vistas a defender a cotação da moeda, para o custo de rolagem da dívida, era menor. Mesmo assim, no ano de 1998, a dívida líquida saiu de 30% para mais de 50% do PIB.

Ou seja, parece-me que o enorme estoque de reservas não será suficiente para segurar a inflação no câmbio se não melhorarmos substancialmente a política fiscal. Inflação à vista.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN e dominância fiscal

Samuel Pessoa já abordou a questão da "dominância fiscal" com a competência de sempre, mas acredito que ainda há o que dizer sobre o assunto, embora a conclusão seja a mesma.

A expressão é algo esotérica, reconheço; refere-se, contudo, a um problema que encontramos no nosso dia-a-dia, não apenas aplicado a governos, mas também a famílias ou empresas, a saber, a incapacidade de pagar suas dívidas.

Para ilustrar o tema, peço ao leitor que imagine um mundo muito simples, em que pessoas, empresas ou governos vivem por apenas dois períodos: "hoje" e "amanhã".

Imagine também um governo que "hoje" arrecada $ 100, mas gasta $ 110 e, portanto, se endivida em $ 10, prometendo pagar este valor de volta "amanhã", acrescido de juros de 10%. No caso, isso significa que "amanhã" a diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta tem que somar $ 11; $ 10 para pagar de volta o principal e $ 1 a título de juros.

Para simplificar a exposição, vamos supor também que "hoje" já sabemos se "amanhã" o governo conseguirá (ou não) economizar os $ 11 necessários para pagar sua dívida. Caso se saiba que o governo tem essa capacidade, a vida segue.

O caso interessante, porém, é o oposto, quando sabemos que isso não será possível –por exemplo, que o governo só conseguirá guardar $ 5,50 (metade do necessário). Isso significa que, dada a taxa de juros de 10%, a dívida, inicialmente de $ 10, só pode valer $ 5, pois apenas com uma dívida deste valor e juros de $ 0,50 (10% de $ 5) o governo seria capaz de servi-la. Isso é, nas condições acima, o valor da dívida teria que cair à metade.

Há duas formas de fazê-lo: ou cortamos seu valor de face à metade (calote, em bom português), ou todos os preços desta economia dobram para fazer com que a dívida, que inicialmente poderia ser trocada por uma cesta de produtos no valor de $ 10, agora só possa ser trocada por uma cesta de produtos que vale $ 5.

Em outras palavras, sob "dominância fiscal", a inflação (o calote que não ousa dizer seu nome) fará o serviço que o governo não consegue fazer.

Notem que, em momento algum, menciona-se o banco central e suas estratégias para tentar controlar a inflação. O motivo é simples: nas circunstâncias acima, a autoridade monetária não tem instrumentos para contê-la. Pode subir a taxa de juros, fixar a taxa de câmbio, ou congelar a oferta de moeda.

Qualquer uma dessas abordagens esbarra numa restrição inexorável: o governo não tem como pagar sua dívida e, portanto, o valor dela terá que cair.

Obviamente, no mundo real nem o tempo se divide em "hoje" e "amanhã", nem temos como saber se, daqui a alguns anos, as condições mudarão o suficiente para fazer com que as contas de um determinado governo, agora deficitárias, se transformem em superavitárias.

É muito mais difícil, portanto, determinarmos se, na prática, o Brasil já vive uma situação de dominância fiscal, embora os riscos sejam crescentes.

Isso dito, uma coisa é clara: se não houver uma sinalização consistente do mundo político acerca de uma melhora das contas públicas num horizonte razoável, sem se prender apenas ao orçamento de 2016, a inflação haverá de subir.

O conflito fiscal não mais se resolverá de forma civilizada, pelo parlamento, mas na forma bruta da inflação descontrolada.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Rock indiano

Frescurinha com o rock francês? (alguns sustentam que não passaria de um grande mal-entendido).

Experimente o rock indiano. Jesus Cristo!

Há 15 dias ouço rock indiano, aqui nas ilhas Maurício e, sabem, não posso dizer que estou indo bem. Você entra no carro, barco, bar, casa, praia e lá está. Me dá ganas de sair por aí injuriando todos os deuses existentes, públicos ou secretos.

E vocês acham que só há um gênero dessa música?

Bom, eles têm o progressivo, o metaleiro e até o rock-balada.

Agora, o que vocês diriam do rap indiano? Me pediriam para, bondosamente, não cantar?

Well...

                                        Rodrigues, 15/09/2015.