Jorge Luis Borges nos conta de múltiplos templos de ruínas circulares, em que medra um personagem que era muitos, porém sonhado. Entre tantos elementos, somente o fogo era seu amigo, e o sabia irreal.
“Na unânime noite, ninguém viu a canoa de bambu sumindo-se no lodo sagrado, mas em poucos dias ninguém ignorava que o homem taciturno vinha do Sul”. Esse homem sabia “que sua obrigação imediata era o sonho.”
Sonhou uma nuvem de alunos taciturnos, que esgotavam os degraus de um anfiteatro circular: “os rostos dos últimos pendiam a muitos séculos de distância e a uma altura estelar, mas eram absolutamente precisos”.
Insatisfeito com aceitarem passivamente sua doutrina, o mago diplomou para sempre esse vasto colégio, em prol de um único aluno, mas também este ruiu, como ruem os sonhos excessivamente rebuscados.
Industriado pelo Fogo, que lhe ministrou magias, ele finalmente concebeu o filho. Sonhado em todas suas minúcias e instruído nos ritos, foi enviado rio abaixo, para oficiar em outro templo. Tempos depois, já tendo ouvido falar das artes do filho, nas ruínas de um templo circular rio abaixo, o mago se viu cingido pelas chamas.
“Por um instante, pensou refugiar-se nas águas, mas depois compreendeu que a morte vinha coroar sua velhice e absolvê-lo de seus trabalhos. Caminhou contra as línguas de fogo. Estas não morderam sua carne, estas o acariciaram e o inundaram sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro o estava sonhando.”