José Augusto Garcia de Sousa,
professor da FGV Direito Rio, em O Globo:
De origem italiana, a teoria do
garantismo penal preconiza o fortalecimento das garantias processuais dos réus,
coibindo-se os excessos do poder punitivo do Estado. No sistema penal
brasileiro, repleto ainda de violências e arbitrariedades — notadamente contra
os menos favorecidos —, o generoso ideário garantista encontrou solo fértil
para se propagar.
De modo desconcertante, porém, a teoria
no Brasil revelou-se útil, sobretudo a criminosos de colarinho branco e
privatizadores dos cofres públicos. Autores de ilícitos peculiarmente
intrincados, eles passaram a invocar o santo nome do garantismo para usufruir,
cada vez mais, uma jurisprudência que sublima aspectos formais do processo e
impõe cargas probatórias quase irreais à acusação.
Reforçou-se assim a índole atavicamente
elitista do processo penal aqui praticado. Um processo amigo dos poderosos e
endinheirados, além de surdo aos protestos do homem da rua contra a impunidade
dos delitos financeiros. Instrumento, em suma, de realimentação das nossas
mazelas sociais, transportando para o plano processual a desigualdade que
existe fora dos autos.
O julgamento do mensalão veio trazer,
em boa hora, o contraponto. Proclamou-se que a Constituição não garante para os
acusados de corrupção processos seis estrelas, em que só por acidente alguma
condenação corre o risco de acontecer. Em um Estado declaradamente social como
o nosso, não faz sentido, do ponto de vista constitucional, que crimes muito
perversos para a comunidade sejam premiados, logo eles, com as maiores
franquias processuais. Se a jurisprudência do Supremo realmente mudou, foi para
melhor. Com a sensibilidade que se espera de uma Suprema Corte.
É certo que um processo não cura cinco
séculos de negociatas e desprezo pelo bem comum. Sem embargo, o julgamento do
mensalão já representa ponto luminoso na História da nação. Um país mais ético
e justo, muito além de mera bandeira retórica, significa direito fundamental de
cada um de nós. Garantido pela Constituição.