Uma coisa aprendi na Austrália: não falar mal dos ingleses. Em cada ônibus, avião ou bar, metade dos circunstantes será inglesa. Melhor não se meter com eles, leitor.
Não é que na minha excursão havia um inglês? O Parque Nacional Kakadu é o maior da Austrália. Um lugar tão grande... tinha um inglês por lá, of course. Quem contempla-lhe o rosto tem a nítida impressão de que, inadvertidamente, entrou no desenho The King of the Hill, com todos aqueles personagens anódinos e inverossímeis. Um rosto gigante, mal decorado por uma boca pequena, de onde saiam palavras bem pequenininhas.
Não se compreende a produção de um rosto com tão poucos e desusados traços. Censuraremos a natureza por tanta avareza? É possível um rosto com tanta economia de linhas? Essa mesquinhez me pareceu excessiva.
Se Nicolai Gógol precisasse descrevê-lo, é quase certo que diria:
“É de conhecimento geral que no mundo existem muitas dessas faces, na feitura das quais a natureza não quis dar-se muito trabalho, não usou nenhum dos instrumentos finos, tais como lixas, brocas e quejandos, mas simplesmente desceu a machadinha com toda a força: uma machadada, e saiu o nariz, outra, e resultaram os lábios; com dois movimentos de verruma grossa, fez os olhos, e soltou o resultado sem lixá-lo, para o mundo, dizendo: ‘vive!’” ¹
Não tenho a autoridade de Gógol, e jamais empregaria essas palavras, que poderiam ser mal recebidas pelos ingleses, um povo distinto.
Contudo antipatizei logo de cara com aquele inglês, de várias máquinas fotográficas (uma delas igual à minha), no que fui logo correspondido.
Vejam suas peripécias. À falta de cadeiras, ele puxou uma mesa, para sentar-se junto à fogueirinha após o jantar. Ali equilibrou primeiro uns 90, depois vigorosos 120 e, finalmente, todos os 190 mimosos quilinhos que Deus lhe deu. Como uma simples mesa suportou, não sei dizer. Sentados em cadeiras ou em mesas, ouvimos todos o guia tocar uma espécie de berrante do Território Norte: um cilindro que já deve ter sido de madeira e hoje é de fibra, de onde sai um som grave e enjoado. O sujeito passa horas entoando esse som, ininterruptamente, o que exige paciência.
No dia seguinte, subimos a uma cachoeira, coisa de uns 80 m de queda livre. O tal inglês ficou conversando com Esther (a holandesa) lá em cima; o sol nos presenteava com plasma ardente. Ligeiramente preocupado com os 60° C, que cozinhavam os miolos, fugi, para uma fonte d´àgua, para refrigerar as idéias. E foi lá que presenciei a seguinte cena:
vinha o econômico inglês, na fresca, sem camisa, quando engoliu uma mosca. Isso mesmo, uma mosca (não existe falta delas por lá). Após estremunhar e correr pra fonte d´água, ouvi esta fórmula, lacônica:
- Like a suicide!
Como um robusto inseto daqueles foi parar na pança do inglês, não posso dizer. Houve boatos de que todos aqueles galantes quilos premeditaram o acidente. Uma das versões dava conta que a defunta se aproximou imprudentemente da boca do inglês, sendo apanhada numa corrente de ar que a adentrava justamente naquele momento.
Não acredito nessa versão, e o que eu não faria para punir seu autor.
Solidarizei-me com o inglês, claro, tão logo pude controlar o riso, horas depois.
Ele aprontou outras, mas não seria justo com os súditos de Sua Majestade ficar detalhando essas histórias.
Darwin, dezembro de 2004.
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