Esta é uma história de um presidente (qualquer um, o leitor escolhe). Ele acredita em videntes.
Todos nós, que vivemos a Era Paulo Coelho, acreditamos em videntes. E também em elfos, duendes, fadas e anões de jardim. Declaro acreditar, não sem fervor, em mula-sem-cabeça.
Mesmo assim alguns insensatos, por vezes, não acreditam no COPOM (órgão extraconstitucional com destacada atuação extralegal), o que é deplorável. Desacatam os inefáveis monges do Comitê de Política Econômica, que mensalmente se reúnem numa missa negra e transmitem os sinais da representação divina pelo gesto da igualmente divina elevação do cálice dos juros.
Nas palavras do herege Paulo Rebello de Castro “quando a missa do Copom aponta uma alta de meio ponto percentual no já elevado cálice dos juros básicos, os fiéis suspiram resignados enquanto entoam, baixinho [bem baixinho], miserere nobis”.¹
Após almoçar com a diretoria do Banco Central (inteiramente composta de duendes), o presidente vai ao amigo vidente e pergunta o que ele vê em seu futuro. O vidente se concentra (ele realmente se concentra, leitor), fecha os olhos (que abrifecham, tremurados, cheios de temor e reverência), e fala:
– Vejo o senhor passando no Eixo Monumental, em carro aberto, e uma multidão agitada, acenando. O presidente sorri e pergunta, ansioso:
– Essa multidão que você vê, ela está feliz, não é mesmo?
– Se ela está feliz! Ela chora de felicidade! Nem é lícito tentar descrever tamanho estoque de felicidade num só lugar. O presidente se entusiasma e, estreitando-se ao amigo, pergunta:
– Eles estão correndo atrás do carro?
– Ora quanta modéstia! Eles correm feito possessos atrás do carro, e ficam à sua volta. Os batedores estão tendo dificuldades em abrir caminho e, por trás dos óculos escuros e do semblante marcial a que são obrigados, também choram de felicidade cívica.
– Eles carregam bandeiras? – Se carregam bandeiras! Ele quer saber se eles carregam bandeiras! Eles praticamente esgotaram o estoque de bandeiras do País e faixas com palavras de esperança e de um futuro muito em breve melhor.
– E eles gritam, cantam, os dessa multidão? – Se eles gritam e cantam! Essa é muito boa! Eles irrompem em ondas espontâneas de euforia e entusiasmo, com erupções como "Agora sim!! Agora vai melhorar!!! Sem medo de ser feliz!!!"
– E eu estou acenando de volta para eles?
– Não.
– Mas como, não?
– O caixão está lacrado, oras bolas!
Como o leitor já percebeu, essa historinha não é minha. Recolhi-a na rede e, por mais encantadora que seja, sinto que não sou responsável por ela. ¹ [Folha de São Paulo, 27.10.2004, p. B-2)
Todos nós, que vivemos a Era Paulo Coelho, acreditamos em videntes. E também em elfos, duendes, fadas e anões de jardim. Declaro acreditar, não sem fervor, em mula-sem-cabeça.
Mesmo assim alguns insensatos, por vezes, não acreditam no COPOM (órgão extraconstitucional com destacada atuação extralegal), o que é deplorável. Desacatam os inefáveis monges do Comitê de Política Econômica, que mensalmente se reúnem numa missa negra e transmitem os sinais da representação divina pelo gesto da igualmente divina elevação do cálice dos juros.
Nas palavras do herege Paulo Rebello de Castro “quando a missa do Copom aponta uma alta de meio ponto percentual no já elevado cálice dos juros básicos, os fiéis suspiram resignados enquanto entoam, baixinho [bem baixinho], miserere nobis”.¹
Após almoçar com a diretoria do Banco Central (inteiramente composta de duendes), o presidente vai ao amigo vidente e pergunta o que ele vê em seu futuro. O vidente se concentra (ele realmente se concentra, leitor), fecha os olhos (que abrifecham, tremurados, cheios de temor e reverência), e fala:
– Vejo o senhor passando no Eixo Monumental, em carro aberto, e uma multidão agitada, acenando. O presidente sorri e pergunta, ansioso:
– Essa multidão que você vê, ela está feliz, não é mesmo?
– Se ela está feliz! Ela chora de felicidade! Nem é lícito tentar descrever tamanho estoque de felicidade num só lugar. O presidente se entusiasma e, estreitando-se ao amigo, pergunta:
– Eles estão correndo atrás do carro?
– Ora quanta modéstia! Eles correm feito possessos atrás do carro, e ficam à sua volta. Os batedores estão tendo dificuldades em abrir caminho e, por trás dos óculos escuros e do semblante marcial a que são obrigados, também choram de felicidade cívica.
– Eles carregam bandeiras? – Se carregam bandeiras! Ele quer saber se eles carregam bandeiras! Eles praticamente esgotaram o estoque de bandeiras do País e faixas com palavras de esperança e de um futuro muito em breve melhor.
– E eles gritam, cantam, os dessa multidão? – Se eles gritam e cantam! Essa é muito boa! Eles irrompem em ondas espontâneas de euforia e entusiasmo, com erupções como "Agora sim!! Agora vai melhorar!!! Sem medo de ser feliz!!!"
– E eu estou acenando de volta para eles?
– Não.
– Mas como, não?
– O caixão está lacrado, oras bolas!
Como o leitor já percebeu, essa historinha não é minha. Recolhi-a na rede e, por mais encantadora que seja, sinto que não sou responsável por ela. ¹ [Folha de São Paulo, 27.10.2004, p. B-2)
Nenhum comentário:
Postar um comentário