No desembarque do ônibus, recebido por um vento antártico, zombei dos demais montanhistas, que usavam bermuda e camiseta, e me congratulei da sagacidade na escolha de pesada indumentária. Meia hora depois, iniciado o trabalho do sol, amaldiçoei cada casaco, que me abrasava. Na improvisada parada, dois quilos de casaco mais leve, bebi um pouco da gentil água que visita o vale.
O informativo do parque menciona cabanas ao longo do caminho. O motorista do ônibus até falou da possibilidade de adquirir água nessas cabanas.
Cinco horas montanha acima eu aprendi que as varias huts assinadas no mapa não passam da projeção de um desejo coletivo.
Após meia hora de interlúdio, começa um aclive sugestivamente chamado Devil’s Staircase. Já escalei montanhas mais antipáticas, mas o nome não é inteiramente gratuito. Lembra a cascata de pedra ao pé das Torres del Paine e a surtida final na “Fumaça por Baixo” (Chapada Diamantina).
Daí pode-se clicar o Tongariro e seguir por uma planície entre vulcões. Ao subir a próxima elevação se estará no ponto mais alto da caminhada. De um lado, crateras avermelhadas; de outro, lagos de fugidias esmeraldas. Tudo presidido pelos cumes de vulcões silenciosos, mas fluentes na abissal linguagem da terra.
Seguindo em frente começa extensa descida, num zigue-zague em que se encontra várias vezes quem está uma hora de caminhada à sua frente, até uma cabana onde o costume é beber água não importa o que digam os avisos.
Depois, nova descida e uma floresta de samambaias te procura, te abraça e te protege do sol da tarde até a exultante saída do parque.
A essa altura seus pés já mandaram vários avisos, cada vez mais eloqüentes, sendo aconselhável que encontrem algum conforto antes que seja necessário amputá-los.
Hoje, no museu Te Papa, vi o molde em tamanho natural de um coração de baleia azul. É quase um fusca e facilmente intuímos que tal bomba é o exercício do impossível, mas as baleias estão aí, desprevenidas de nossa intuição.
Para usar as paisagens de Tongariro é essencial ter um bom coração.
Wellington, 12 de janeiro de 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário