Enamorar-se é criar uma religião cujo deus é falível.”¹É o amor. Terei de me esconder ou fugir. (...)Estar contigo ou não estar contigo é a medida do meu tempo.É, eu sei, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória (...)O nome de uma mulher me delata.Dói-me uma mulher por todo o corpo.²
Para cada coração perfeito, há um amor que ele não pode
sentir, um sentimento que ele não pode conhecer sem se perder. Isto é verdade,
mas tento considerar que sou um invariável mentiroso.
Mesmo para um coração perfeito, há um amor que ele não
pode sentir sem errar, sem se distrair. Isto é verdade, mas tento lembrar que
eu sempre minto.
Para cada língua, há um verso que ela não pode escandir;
uma história que ela não pode contar. Isto é verdade, mas só a cada dois mil
anos.
O primeiro amor passou; o segundo também. Tentaste
algumas viagens, nem sempre eficazes.
Agora te deleitas com o estar-só, às vezes confundido com solidão. Mataste o tempo, imitando o Chapeleiro Louco, e talvez por isso seja sempre 15 horas em teu reino, hora de cafezinho e trabalho.
Inútil lamentar ser um falso funcionário público. Muitos
são falsos homens; outros, verdadeiros objetos de basiliscos. Anfisbenas
nidificam no caminho.
O primeiro amor seria eterno; o segundo duraria tanto.
Quanto durará o terceiro amor, que nem existe? Denunciarei, nos jornais, as
insensatas oscilações do coração, os inevitáveis raptos a que está exposto?
É sem par o sofrimento do amor que se esvai. Frequentei a
solidão por tempo demais, e estou exausto dessa austera extravagância.
Para cada amor, há um beijo que não pode ser dado, um
abraço que se não estreita. Isto será verdade, se o leitor consentir.
Junho de 2004
¹ Borges, Nove Ensaios Dantescos, Obras Completas,
tomo III.
²
Idem, O Ouro dos Tigres, Obras Completas, tomo II, p.
519.
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