E agora, José?
tenho visto o vão esforço,
tua versão de luta pela vida,
a tentativa de não sucumbir
aos apelos sensuais do nada.
Sou testemunha de que
não descansas, de que trabalhas;
és diligente, José, simples e
de uma austeridade insondável.
Mas, a vida... E agora?
José, cancelaram tua vitória,
desclassificaram teu mérito,
indicaram outro para ocupar tua pessoa.
Você, que dificilmente é você,
sem nome e incoerente quanto és.
Adoeceram tuas roseiras;
no assalto ao banco de que recebias,
levaram só os teus valores e, José,
caçoaram dos versos que arriscaste
no escuro.
E agora, você?
Se você navegasse pela internet
espalhando botes suicidas;
se simplificasse a solução dada a Fermat,
se invertesse a polarização da Terra,
achas que te amariam, José?
José, lacra tua biblioteca. Está vazando, e
contamina o mundo com emissões políticas,
literaturas, metais volatizados.
Engoma teu terno de vidro
que todas as passadeiras quebraram
e escondem de ti cacos por se juntar.
José, não minta. Não adianta ajudar as
pessoas em suas ferozes felicidades.
Escreve aquilo mesmo que sentes,
que sentistes a vida inteira.
Não te comprometas com os amigos,
eles firmaram contratos à parte.
José, o que foi isso de tentar o suicídio?
Não podes. Está tudo predeterminado,
de modo que teus esforços de viver/morrer
não se sustentam mais que rituais
há muito desacreditados.
Se você gemesse,
denunciando o cego impacto da vida,
talvez conquistasse a antipatia do síndico,
a compreensão solidária do recém-nascido.
Se você soltasse todos os gases
que te inflacionam as entranhas,
talvez conseguisse alívio
e poderias contar uma vantagem.
Se você dispensasse toda sua fortuna
no amparo de pobres e necessitados,
talvez subvertesse a marcha do desespero, e
poderias descontar no ajuste anual do imposto de renda
a dor alheia que mitigaste suportando a própria.
Talvez um cálice de um bom vinho do Porto
adoçasse a partida que ensaias sem entusiasmo.
Uma nova utopia põe-se a caminho, como um iceberg,
embrionária num mundo que periclita.
Existem muitas chances, José.
José, por que tanto problema?
Por que não visitas um psiquiatra?
Vá e veja o enorme esforço,
a ciência desfazendo equívocos químicos
em que o cérebro nem sabe que incorre.
Sozinho na tarde da cidade,
esperas a noite, que esfria.
Cancelas um pensamento,
sorves outro livro, protestas.
Estais cansado, José,
e tudo acabou, tudo mofou,
tudo fugiu.
Sozinho
você marcha, José!
José, o que é tudo isto?
Sobre o poema José, um libelo contra a solidão do homem moderno, suas inconsistências e angústias.
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
José, C.D.A.
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