domingo, 21 de setembro de 2008

José

E agora, José? tenho visto o vão esforço, tua versão de luta pela vida, a tentativa de não sucumbir aos apelos sensuais do nada. Sou testemunha de que não descansas, de que trabalhas; és diligente, José, simples e de uma austeridade insondável. Mas, a vida... E agora? José, cancelaram tua vitória, desclassificaram teu mérito, indicaram outro para ocupar tua pessoa. Você, que dificilmente é você, sem nome e incoerente quanto és. Adoeceram tuas roseiras; no assalto ao banco de que recebias, levaram só os teus valores e, José, caçoaram dos versos que arriscaste no escuro. E agora, você? Se você navegasse pela internet espalhando botes suicidas; se simplificasse a solução dada a Fermat, se invertesse a polarização da Terra, achas que te amariam, José? José, lacra tua biblioteca. Está vazando, e contamina o mundo com emissões políticas, literaturas, metais volatizados. Engoma teu terno de vidro que todas as passadeiras quebraram e escondem de ti cacos por se juntar. José, não minta. Não adianta ajudar as pessoas em suas ferozes felicidades. Escreve aquilo mesmo que sentes, que sentistes a vida inteira. Não te comprometas com os amigos, eles firmaram contratos à parte. José, o que foi isso de tentar o suicídio? Não podes. Está tudo predeterminado, de modo que teus esforços de viver/morrer não se sustentam mais que rituais há muito desacreditados. Se você gemesse, denunciando o cego impacto da vida, talvez conquistasse a antipatia do síndico, a compreensão solidária do recém-nascido. Se você soltasse todos os gases que te inflacionam as entranhas, talvez conseguisse alívio e poderias contar uma vantagem. Se você dispensasse toda sua fortuna no amparo de pobres e necessitados, talvez subvertesse a marcha do desespero, e poderias descontar no ajuste anual do imposto de renda a dor alheia que mitigaste suportando a própria. Talvez um cálice de um bom vinho do Porto adoçasse a partida que ensaias sem entusiasmo. Uma nova utopia põe-se a caminho, como um iceberg, embrionária num mundo que periclita. Existem muitas chances, José. José, por que tanto problema? Por que não visitas um psiquiatra? Vá e veja o enorme esforço, a ciência desfazendo equívocos químicos em que o cérebro nem sabe que incorre. Sozinho na tarde da cidade, esperas a noite, que esfria. Cancelas um pensamento, sorves outro livro, protestas. Estais cansado, José, e tudo acabou, tudo mofou, tudo fugiu. Sozinho você marcha, José! José, o que é tudo isto? Sobre o poema José, um libelo contra a solidão do homem moderno, suas inconsistências e angústias. E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde?
José, C.D.A.

Nenhum comentário: