quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Noruega


Saindo de Utsikten, pela estrada. A pizza que me serviria de almoço foi aprovada por unanimidade. A guia, que deveria ter-me censurado, foi a primeira a elogiar a escolha.
Tive uma epifania naquela sede de sonhos. Minha janela no Villa Utsikten vigiava o Geirangerfjorden, comunicando delícias perturbadoras, feitas de sol e montanha, mar e matas. O Queen Elizabeth fundeara em suas águas. Fotografei esse colosso em Copenhague, e já o havia dispensado. De emboscada, ele me esperou nos abismos do fiorde, ciente de que ali eu desabaria ante uma beleza arrasadora.     
Jantar de imperadores. O sol fingia que ia, mas não ia, ficava por ali, jogando uma luz à toinha em turistas desmaiados em beleza e sono. Eu não sabia se corria ao mirante em frente e denunciava o arco-íris ou prosseguia com aquele concerto de sabores. O bacalhau, o cordeiro, toda a insânia daquela cozinha impiedosa: as artes do chope. Pedi a conta antes da sobremesa, um insulto.
O Kaiser Guilherme II inaugurou aquele hotel com pompa e circunstância, em 1894. De besta esses cáiseres não tinham nada.     
Seguindo viagem (contrariado, mas resignado: o Nordkapp me esperava, em Molde) paramos num mirante, para a inspeção definitiva do fiorde e sua vila.
A Eagle Road fuxica com as montanhas estacionadas entre Utsikten e Molde. Rivaliza com a estrada de Milford Sound (Nova Zelândia) em locações alucinógenas.
Além dos maciços e cachoeiras, o que se vê são plantações de morangos, que logo se oferecem. A guia disse que são apenas os melhores do mundo.
Comprei os morangos, cético. Gigantes, de um vermelho extravagante, e um dulçor psicodélico, tais morangos foram construindo consensos de recreio e fruição, no escandir poemas carmins. Súbito, todo o ônibus flertava com paraísos rubros, líquidos, alucinados, a um passo de se desligar do restante do planeta.   
Enquanto isso as montanhas passeavam, vértices quilométricos, sangradas por cachoeiras insensatas. 
Chegando a Gamlo o visitante depara uma cachoeira caindo de alturas impossíveis, como se adentrasse um mundo de videogame. Você olha e intui que essa montanha não pode ser, ou que, sendo, não pode abrigar uma cachoeira.
Pois abriga. O poder está ali, vertendo milhões de litros, num assalto à lógica e aos sentidos.         
Na Noruega, não só os morangos incomodam: as cerejas e até as framboesas também tumultuam, por saborosas. Já os mirtilos, meio não sei, quase não aborrecem. Vão muito bem em tortas e sorvetes.     
Em Trøndheim novos morangos me aguardavam, para a completa desrealização dos sentidos, quando eu sorvia a catedral, a cidade.      

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