quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Viva a jurisprudência do Supremo

José Augusto Garcia de Sousa, professor da FGV Direito Rio, em O Globo:

De origem italiana, a teoria do garantismo penal preconiza o fortalecimento das garantias processuais dos réus, coibindo-se os excessos do poder punitivo do Estado. No sistema penal brasileiro, repleto ainda de violências e arbitrariedades — notadamente contra os menos favorecidos —, o generoso ideário garantista encontrou solo fértil para se propagar.


De modo desconcertante, porém, a teoria no Brasil revelou-se útil, sobretudo a criminosos de colarinho branco e privatizadores dos cofres públicos. Autores de ilícitos peculiarmente intrincados, eles passaram a invocar o santo nome do garantismo para usufruir, cada vez mais, uma jurisprudência que sublima aspectos formais do processo e impõe cargas probatórias quase irreais à acusação.

Reforçou-se assim a índole atavicamente elitista do processo penal aqui praticado. Um processo amigo dos poderosos e endinheirados, além de surdo aos protestos do homem da rua contra a impunidade dos delitos financeiros. Instrumento, em suma, de realimentação das nossas mazelas sociais, transportando para o plano processual a desigualdade que existe fora dos autos.

O julgamento do mensalão veio trazer, em boa hora, o contraponto. Proclamou-se que a Constituição não garante para os acusados de corrupção processos seis estrelas, em que só por acidente alguma condenação corre o risco de acontecer. Em um Estado declaradamente social como o nosso, não faz sentido, do ponto de vista constitucional, que crimes muito perversos para a comunidade sejam premiados, logo eles, com as maiores franquias processuais. Se a jurisprudência do Supremo realmente mudou, foi para melhor. Com a sensibilidade que se espera de uma Suprema Corte.

É certo que um processo não cura cinco séculos de negociatas e desprezo pelo bem comum. Sem embargo, o julgamento do mensalão já representa ponto luminoso na História da nação. Um país mais ético e justo, muito além de mera bandeira retórica, significa direito fundamental de cada um de nós. Garantido pela Constituição.

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