Samuel Pessoa já abordou a questão da "dominância
fiscal" com a competência de sempre, mas acredito que ainda há o que dizer
sobre o assunto, embora a conclusão seja a mesma.
A expressão é algo esotérica, reconheço; refere-se, contudo,
a um problema que encontramos no nosso dia-a-dia, não apenas aplicado a
governos, mas também a famílias ou empresas, a saber, a incapacidade de pagar
suas dívidas.
Para ilustrar o tema, peço ao leitor que imagine um mundo
muito simples, em que pessoas, empresas ou governos vivem por apenas dois
períodos: "hoje" e "amanhã".
Imagine também um governo que "hoje" arrecada $
100, mas gasta $ 110 e, portanto, se endivida em $ 10, prometendo pagar este
valor de volta "amanhã", acrescido de juros de 10%. No caso, isso
significa que "amanhã" a diferença entre o que o governo arrecada e o
que gasta tem que somar $ 11; $ 10 para pagar de volta o principal e $ 1 a
título de juros.
Para simplificar a exposição, vamos supor também que
"hoje" já sabemos se "amanhã" o governo conseguirá (ou não)
economizar os $ 11 necessários para pagar sua dívida. Caso se saiba que o
governo tem essa capacidade, a vida segue.
O caso interessante, porém, é o oposto, quando sabemos que
isso não será possível –por exemplo, que o governo só conseguirá guardar $ 5,50
(metade do necessário). Isso significa que, dada a taxa de juros de 10%, a
dívida, inicialmente de $ 10, só pode valer $ 5, pois apenas com uma dívida
deste valor e juros de $ 0,50 (10% de $ 5) o governo seria capaz de servi-la.
Isso é, nas condições acima, o valor da dívida teria que cair à metade.
Há duas formas de fazê-lo: ou cortamos seu valor de face à
metade (calote, em bom português), ou todos os preços desta economia dobram
para fazer com que a dívida, que inicialmente poderia ser trocada por uma cesta
de produtos no valor de $ 10, agora só possa ser trocada por uma cesta de
produtos que vale $ 5.
Em outras palavras, sob "dominância fiscal", a
inflação (o calote que não ousa dizer seu nome) fará o serviço que o governo
não consegue fazer.
Notem que, em momento algum, menciona-se o banco central e
suas estratégias para tentar controlar a inflação. O motivo é simples: nas
circunstâncias acima, a autoridade monetária não tem instrumentos para
contê-la. Pode subir a taxa de juros, fixar a taxa de câmbio, ou congelar a
oferta de moeda.
Qualquer uma dessas abordagens esbarra numa restrição
inexorável: o governo não tem como pagar sua dívida e, portanto, o valor dela
terá que cair.
Obviamente, no mundo real nem o tempo se divide em
"hoje" e "amanhã", nem temos como saber se, daqui a alguns
anos, as condições mudarão o suficiente para fazer com que as contas de um
determinado governo, agora deficitárias, se transformem em superavitárias.
É muito mais difícil, portanto, determinarmos se, na
prática, o Brasil já vive uma situação de dominância fiscal, embora os riscos
sejam crescentes.
Isso dito, uma coisa é clara: se não houver uma sinalização
consistente do mundo político acerca de uma melhora das contas públicas num
horizonte razoável, sem se prender apenas ao orçamento de 2016, a inflação
haverá de subir.
O conflito fiscal não mais se resolverá de forma civilizada,
pelo parlamento, mas na forma bruta da inflação descontrolada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário