Cheguei uns três dias após deixar minha casa.
Fui direto ao barco e ao resort. Octopus é um lugar gostoso, com recifes bem em frente ao bar, o que favorece a migração deste para aqueles, e vice-versa.
Fiquei quatro dias em recreio, e saí para o Blue Lagoon, outro hotel bem estabelecido entre corais e recifes.
No terceiro dia, nem eles confirmavam o vôo até Nadi, nem a estadia mais uma noite. Acabei no hotel ao lado, sem o vôo. Jantar dançante, se assim pudermos chamar. Primeiro a dança, típica, depois o jantar. Quem não dança não come.
Talvez por isso resolvi aceitar quando uma matrona fijiana veio me tirar pra dançar.
Não estava muito animado com a dança, não, com a tora de fijiana que me coube por par, até que vi o alemão meu vizinho agarrado a um negão de uns dois metros, para mais, todo sorrisos. Deus do céu, como a sorte pode ser madrasta!
Depois fomos ver o jantar ser desenterrado, embrulhado em folhas. Batatas, legumes, pupkins, mandiocas. E as carnes.
Serviram um carneiro delicioso, um peixe alienante e clams gigantes ao molho. Batatas doces e mandioca, tudo nas entranhas da terra. Não sei como figurar a farra.
No Octopus tivemos jantares memoráveis e, no Blue Lagoon, as mais típicas comidas. Tampouco o pernil de carneiro era novidade (já tinha lutado com pernis de carneiro em Fiji) mas aquele.... Oh, boy.
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No dia da saída, na última hora eles confirmaram o vôo, e havia que se dirigir à ilha-resort Turtle. Lá me disseram que, avião, nem pensar, mas que um helicóptero era possível.
Voei nesse helicóptero atrasado, preocupado e embasbacado com as Yasawas, do alto.
Pousando em Nadi, me informaram que não haveria vôo a Port Vila. Após toda sorte de desencontros, o vôo inexistente se ultimou e saí com três horas de atraso, já perdida a conexão à ilha Tanna, ao sul.
Em Port Vila a malária não é infrequente.
Pois nessa Port Vila me acomodaram em um resort cinco estrelas, com 5.000 vatus para gastar em comilança.
- Em comilança, ouviu bem? Você acha que consegue, Manelim?
- Ora você me conhece, tenho um plano.
E assim, no buffet daquela noite me acabei em camarões insanos, indescritíveis, preparados como se o mundo findasse logo mais e as balanças tivessem sido abolidas. Também havia saladas (não tive muito tempo para saladas, não), clams gigantes, os ovos beneditinos e muitas outras coisas que não quero figurar, agora.
Sem falar nas massas, com o acréscimo ilícito de queijos franceses, sobremesas, sorvetes e frutas.
Logo eu estava prontinho para o café da manhã, que não foi menos escandaloso.
Após esse café, aeroporto. A passagem, inexistente para aquele dia, apareceu no primeiro avião para Tanna, e nele embarquei, sôfrego.
- E como você pretende voltar, à nado? - perguntou a moça da Air Vanuatu, vendo que eu não tinha passagem.
Tanna é um lugarzinho mágico, famoso por seus aldeões, a criançada pululante e pela malária, nada infrequente.
Subi o Yasur, nas deliberações da tarde. Melhor: subimos, porque, no caminho, o motorista parou a camionete na aldeia e fez subir toda a criançada, até um moleque pelado. Umas quinze crianças. Depois, passado o centro, paramos para dar carona pra mais cinco!
E lá fomos, morro acima, morro abaixo.
O vulcão, super ignorante, vomita lava bem na nossa cara, com estrondos metálicos, de salva de canhões raivosos.
Iniciada a noite, bordejamos a cratera ouvindo as pancadas, as revoltas. Ondas de choque talhavam o fumo envolvente, e sabíamos que novas fúrias eram inevitáveis.
Sofremos esse arenga um tempão, vendo a lava escalar a encosta e cair de volta, onde um rio de fogo oficiava ora preenchendo, ora liberando câmaras, enquanto a terra comunicava sua dor.
Quando por fim o vapor sulfuroso nos envolveu, todos demos baixa e corremos ao hotel. Mosquiteiros que eram só furos prelibavam malárias noite adentro.
No dia seguinte toquei ao aeroporto, sem passagem, só para ver qual é que era. Fui acomodado de primeira, e voltei a Port Vila, para passeios e simpatias.
Fui a uma cascata, mas principalmente à ilha Lelepa, para o melhor snorkelling desde Fakarava. Jardim submerso, visão de 60 metros, águas mornas, peixes abundantes. O que mais pode querer um turista?
Notei a ausência de tubarões nos recifes, e os guias deram de ombro. Ao contrário do Tahiti, onde eles praticamente te chamam e te desafiam desde o quarto, por aqui somente em mergulhos mais profundos se tem a companhia dessa gente bravia.
Agora, Tonga. As baleias mandaram dizer que não vêm, ou, se vêm, não agora. Que fazer?
Fui a uma ilha próxima, e tomei o vôo para Vavau.
Uma hora de atraso, embarcamos no pequeno turboélice chinês. Mais uma hora e chegamos. Peguei a bagagem de mão e esperei a mala, triunfante.
Ninguém mais esperava a mala.
- E o negócio da mala? - Perguntei à fijiana que sentara ao lado.
- Sabe de nada, inocente! Não vês que tornamos ao aeroporto de partida, abestado? O avião quebrou! (ela fez sinal de um avião caindo, pra facilitar meu entendimento: buuum!).
Fiz a tradução a partir do possível inglês da fijiana, de forma que alguma expressão idiomática pode ter me traído.
Após algumas horas no solo, e outra no ar (levamos o mecânico junto, vai que...) Vava'u!
Táxi pro hotel, que não havia. Cinco hotéis depois, terminei em Port Wine, que me pareceu bacana, e tratei de conquistar a benevolência dos cachorros da propriedade, e arredores.
Num lugar como o Pacífico Sul, às vezes a amizade dos cachorros é o primeiro item do turista consciente.
O grande malhado preto e branco era gordo e bonachão. Foi o primeiro a vir cumprimentar. Uma cachorra enorme, gárrula, que eu tampouco saberia precisar a raça, veio toda se arreganhando, com seus respeitáveis marfins afiados.
O costume dela e correr atrás de cachaços enormes e ameaçadores, pondo-os rua abaixo.
Outros cães fui encontrando na estadia, e logo granjeei-lhes duradouro afeto.
Sabe, quando você volta do jantar, na rua escura, e antes de abrir o portão, e prudente certificar-se da estima dos cachorros - de toda a cachorrada - antes de realmente adentrar a propriedade, pra que eles sintam a diferença entre você e um... porco, por exemplo, por mais que, dizem os amigos, no meu caso essa diferença seja mínima, acaso existente.
Essa história com os cães me lembra um episódio em Páscoa. Uns ingleses ficaram de me buscar no hotel para irmos ver o sol nascente apostar contra os moais. Perdi a hora e voei para a rua, a ver se ainda me esperavam. Um cachorro, que seguramente vira o carro vir e me aguardar, e depois se afastar, se encostou em mim, fornecendo o apoio moral de que eu necessitava.
Os cachorros das Yasawas costumam logo contrair amizade, sobretudo ao redor do exíguo prazo de jantares e lanches. E amizade sincera.
"I'm not dog no..."
25 de junho.
Samoa.
Cheguei a Samoa. Na verdade, estou aqui há três ou quatro dias, e logo começa a operação retorno, em três escalas: Apia, Nadi e Auckland. Daí, Santiago e Sampa, assunto de aeroporto, e chego em casa, que espero achar igual.
Fui aos Blowholes, na costa sul (jatos d’água à beira mar que juram os céus com estrondo). A onda ganha energia ao atingir o pavimento vulcânico, entra por falhas e estoura a dezenas de metros de altura, provendo um sorriso.
Samoa tem praias lindas e desertas. Uma, de areias pretas, é a perfeição simpática. Primeiro, fiquei numa fale (cabanas abertas, cortinas por paredes, bem na areia, com música ambiente fornecida pelo mar), mergulhando e calibrando os instintos sob sombras frutuosas que tocam a água.
A maré oscilava seus humores. Eu aferrado a Machado de Assis. Estou no oitavo romance do mestre, nesta viagem, mas prometi não reler Memórias Póstumas ou Dom Casmurro.
Outros livros li (Complacência, o Retrato, Darwin vai às Compras, Do que é Feito o Universo? etc), o que não significa que a viagem foi ruim. Apenas teve vôos, escalas, aeroporto e esperas demais.
E muita praia linda, que pedia romance, água de coco e espírito leve. De vez em quando um snorkel, que depressa se larga.
Depois, toquei pro nordeste da ilha, para mais fales, águas calmas e mergulhos.
Em casa.
Saí às quatro da tarde de Auckland e, às dez da noite, estava em casa. Que achei igual.
Menos por um armário, que desmontara no anonimato de madrugadas desfavoráveis. A Todeschini se encarregará dele.
Quebrei a promessa de não reler Memórias Póstumas. E pra distrair, 13 peças do teatro de Nelson Rodrigues.
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