De todas as minhas andanças, conservo as mensagens que os amigos me mandam, e algumas das que envio.
Esta o amigo Júlio enviou em tempos. Eu estava em Belo Horizonte, e qual não foi o susto ao lê-la, num Shopping:
“E aí, meu? De volta pra terrinha?
Eu continuo estudando o roteiro e me divertindo com os novos aspectos culturais que aprendo.
Imagine só, que uma das grandes diversões que um turista pode usufruir no Japão é, simplesmente, sem maiores delongas: Brincar de fudê japonês!!
E você pode fazer isso até no Gozá!!!
Mas creio que esses termos merecem um esclarecimento: FUDÊ é aquele pincel japonês, de pêlos de marta, usado para desenhar as letras do alfabeto Kanji, com tinta nanquim sobre folhas de papel de arroz.
Como eu disse, deve ser divertido brincar disso.
Principalmente se for sentado em cima de uma tradicional esteira de juncos japonesa, que lá é conhecida como Gozá.
Tenho aprendido esses aspectos fundamentais naquele montinho de livros que mostrei para você. O legal é que sinto como se a viagem já tivesse começado!
Me conte as novidades.
A propósito, estou inscrito no Orkut, e lá tem uns grupos de discussão interessantes sobre viagens. Estou preparando a do Peru (26 de agosto a 9 de setembro), mas estou muito temeroso que a Varig quebre até lá. Nós e essas merdas de tickets smiles!!!
Um grande abraço,
Júlio César”
Respondi, apreensivo:
“Grande amigo Júlio:
Receio não poder acompanhá-lo nessa história, preocupante, de fudê japonês. Sinceramente, nunca fiz isso em toda a minha vida, e não seria agora que iria começar (por mais que alguns experimentem e gostem, tendo em vista os óbvios apelos do Gozá).
Você deveria saber que os japoneses, por natureza um povo ordeiro e respeitador, talvez não queiram se abrir a uma experiência tão extrema. Ao fazê-lo, você os estaria invadindo em seu íntimo, e isso não haveria de ser tranqüilo, tenho certeza. Numa sociedade tão fechada, não há espaço para essas liberdades todas.
Em verdade, penso que raramente você conseguiria convencê-los a se deixar penetrar no que têm de mais valioso, o mais bem guardado segredo daquela cultura milenar: a arte de fudê japonês!
E não adianta se deixar levar pelas idéias moderninhas, dessas que dizem que, numa viagem de férias, ficam suspensos os preconceitos e as barreiras para abordagens mais ousadas. Na hora h, intimidado pelo portento da empreitada, o pobre japonês acabaria se subtraindo ao fudê (e você ficaria na mão).
Já esse negócio de pêlos de marta pode ser interessante. Conte mais detalhes, por pavor.
Quanto a sua viagem ao Peru, tranquilito, hombre!
A Varig não vai quebrar. Ela apenas está em recuperação judicial (parafraseando o Simão: rá, rá, rá). Eu também pensava que ela ia quebrar, mas fui à Europa e voltei, como se vê. Estou até planejando uma viagem à Venezuela, com minhas gostosas milhas Varig...
Tenha fé, irmão, e (sobretudo) reze muito.
E, por favor, não entre nessa de fudê japonês. Em nome do que há de mais sagrado, pare imediatamente com isso.
Grande abraço,
Gerson.”
Dias depois ele respondeu, num tom inicialmente tranqüilizador:
“Amigo Gérson,
Seguirei seu conselho. Nada de fudê japonês! Devem existir outras formas mais dignas de Gozá!
Interessante essa sua idéia de viagem à Venezuela. Sai de graça para conhecer Aruba, Bonaire e Curaçao a partir de lá. Recomendo.”
Mas aí veio uma nota alarmante:
“A boa notícia é que eu estou fazendo orações para uma divindade japonesa, para que nos brinde com boa sorte e uma jornada gloriosa na terra do sol nascente.
A divindade se chama Bishamon, e é muito respeitado no Japão.
Aí vão alguns detalhes sobre o grande Ser:
Bishamon
É o deus da dignidade e da riqueza. Por ser um dos quatro guardiões do budismo , usa trajes de guerra e segura uma lança. Embora chamado guardião do tesouro, não deve ser interpretado como de bem material. O tesouro no caso, são os ensinamentos do Buda. Bishamon é representado também segurando nas mãos um pagode em miniatura, que é o templo das orações. Ele é o promotor dos missionários das palavras de Buda e nesse sentido tem atribuição de guerreiro. Não deve ser confundido com o deus da guerra, Hachiman, este sim, o protetor dos samurais.
SORTE: ter a figura de Bishamon em casa, afugenta ladrões e preserva os bens da famílias. (Fonte: www.desa.com.br - o site dos dekaisseguis)
Um grande abraço,
Arigatô Gosaimasu
Júlio César”
Escrevi de volta, acreditando que tudo estava perdido:
“Júlio:
Por mais respeitada que seja essa entidade japonesa, detém o passo, considera um momento. Lembrai dos mais elevados princípios cristãos que sempre o nortearam e formaram-te o caráter.
Pra que pôr tudo a perder agora, justamente na antevéspera da viagem àquele pais asiático? Essas entidades desconhecidas, sabe-se lá com que orientações... Melhor evitar.”
Como o assunto foi esquecido, o Júlio deve ter conseguido superar essa queda, momentânea e sem conseqüências (e mais apropriada para adolescentes), esse fascínio por Bishamon...
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