1. Salvador.
De uma viagem recente a Salvador pouco ficou. O bastante para saber que é uma cidade grande e de escassos encantos.
Suas igrejas exibem negro suor, e seus interiores ostentam fatigados dourados. A grande maioria estava devidamente fechada. O entorno é infestado de pedintes particularmente persuasivos. Eles “não seqüestram, apenas molestam”.
O excesso de portugueses nos hotéis não é de grande valia. O elevador Lacerda passou por um banho de loja de gosto duvidoso, e a prefeitura... bem, a prefeitura.
Tudo somado, tem-se a impressão de que o carnaval de Salvador tem mesmo de ser muito bão.
2. Porto Alegre.
Muitos churrascos. Alguns museus. Casas de porta e janela. No centro, um ateliê de massas que excomungam todas as fomes, por mais sabidas. Dos passeios por suas ruas não detectei nenhuma felicidade importante, mas presumo que os olhos estavam excessivamente armados por espanholadas e outros êxtases ibéricos.
O Guaíba é um lago, não um rio, me informaram. Que seja. Os navios seguirão fiéis a seu porto.
3. Gramado e Canela.
São uma só cidade. Apenas resolveram ter dois museus de carros antigos. Em todo caso, oferecem “café colonial”, inconvincente desde o nome.
Em Canela ergue-se suntuosa cachoeira, a verter de um um balcão luxuosamente guarnecido pela mata, que é amiga de uma cava. Da cadeirinha do teleférico, vi: livre, no imponderável abismo, a água se milparte e queda por ali, brincando de céu. Frondosa alegria.
Com um pouco de boa vontade, descobrem-se novos usos para o gauchismo.
4. Do ato de fotografar.
Afirmam alguns o suposto compromisso da fotografia com a verdade, invariável, num momento em que a pintura fugiu para o voluntarismo da fantasia e do abstrato.
Seguro que a fotografia tem seus vieses. Também ela é interpretação do mundo, não seu fiel reflexo bidimensional; também pressupõe paixões, preconceitos e formas de representar. Com excluir tudo o que não escolheu para motivo, o fotógrafo subordina o mundo todo a uma de suas paisagens.
Ao fotografar, procuro fatigar o menos possível o mundo, não incomodá-lo em demasia, extraindo só o estritamente necessário.
É verdade que assestei, em mais de uma ocasião, minhas lentes contra o sol, para sabê-lo.
Que importa a decepção dos resultados? Recomeço do zero a cada clique, daí meus erros, sempre inaugurais; daí não haver o menor risco de eu vir a surpreender o mundo transigindo em seus fundamentos.
Por três vezes estive fotografando em Nova Iorque, Buenos Aires, Santiago, Jericoaquara, Barreirinhas, Fernando de Noronha, Abrolhos; por duas em Madri, Barcelona, Sydney, Auckland; e inúmeras vezes em Bonito e São Paulo. Que triste a sina de um homem condenado a repetir-se...
O pôr-do-sol de Noronha é de poderosa eloquência, e gabarita a tarde. O de Jeri escandaliza todas as tristezas; abrasa e consuma o espírito. A maluquice do pôr-do-sol de Calafate e Natales, todas aquelas australidades, induz presságios e fome nos portos.
Sou dos silêncios, e também proferi largos passos sobre cidades e desertos. Vou fotografar mais um pouquinho, e depois paro.
Campo Grande, 7 de setembro de 2005.
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