Chego de Minas, cansado.
O avião atrasou, como costumam atrasar os aviões, e eu sem nada para ler (o jornal acabou na espera, no saguão. Preciso de jornais mais alentados, para esperas realmente longas...)
Hoje ainda estava em Diamantina, cidade ao norte (ou noroeste?) de Belô, já adentrando o vale do Jequitinhonha. A cidade descansa sobre uma encosta íngreme, e dá para sóbrios paredões de pedra, do lado oposto do vale.
Subi ao campanário de madeira de uma igrejinha, com dois sinos afinados. Também visitei a mais antiga e outras tantas igrejas (por pouco não me converti, em meio a essa tonta peregrinação).
A casa de Juscelino (o presidente) é bem acanhada, no alto de uma rua impiedosamente íngreme. JK era leitor voraz, à Cervantes, segundo ele mesmo, e passou uma temporada em Paris e Berlim, no início dos anos ´30. O quarto de Juscelino criança , a cozinha, e as frases sobre sua mãe e irmã são memoráveis. Mas desconfio de populismo nessas memórias.
O museu do diamante não merece esse nome, e nem mesmo uma visita.
Diamantina, nessa minha primeira visita, não impressionou tanto como Ouro Preto.
2. Da comida mineira.
Domingo, duas e meia da tarde. Chego de Diamantina e, maroto, marcho para o Xapuri.
Pátio adornado com mesas em tábuas rústicas, dispostas em nichos e terraços, habitados por uma gente faminta e gárrula (a gente das Minas). Atendimento demorado. Cada qual mais glutão, eu e Márcio (o taxista) atacamos as crocantes costelinhas de porco, que foram dialogando com o feijão tropeiro, os torresminhos e a couve bem refogada, verdíssima.
Distribuímos os vastos sabores ao longo de uma curva da mais legítima fome, própria de quem emerge do vale do Jequitinhonha.
Após assaltar cada travessa, repetindo-as sem a menor cerimônia, seria ilícito qualquer olhar em direção aos doces, não é mesmo, ótimo leitor?
Lícito ou ilícito, atacamos os doces, claro que sí.
Toda visita a Minas, o mesmo naufragar dos (cada vez mais severos) regimes. Torresminhos, feijão tropeiro, doces caseiros e outras tormentosas conspirações daquela cozinha: nenhuma força de vontade é válida contra Minas.
É o que venho dizendo (e ninguém me escuta): não vá a Minas.
3. Das coisas estranhas.
Algo de muito clandestino acontece em meu apartamento. Não estou bem certo, mas parece que o invadem, sabe-se lá com que propósito de me enlouquecer.
Não tenho provas dessa invasão, exceto que minhas roupas estão, estranhamente, ficando menores.
Menores não seria o termo, talvez, e sim apertadas. É constrangedor. De todas as vezes que confidenciei essa minha recente e inesperada dificuldade, percebi que minhas conclusões foram recebidas com reservas.
As provas são escassas: de fato, calças, bermudas e camisas estão ficando apertadas, embora, falazmente, seu comprimento não oscile. O diabólico é que não há marcas de recosturas, e a D. Léia, minha lavadeira, não detectou qualquer aspiração sediciosa nas roupas que lhe submeto.
Na ausência de qualquer outro movimento de minhas roupas, e na inexistência de provas das invasões, uma dessas pessoas chegou a perguntar, suavemente, se eu não estaria engordando. A auto-evidente monstruosidade dessa insinuação deveria bastar para que ninguém, nunca mais, a cogite, nem dela venha a conhecer.
Mesmo sem o testemunho de balanças, eu, de fato, não estou engordando (é importante que o leitor alcance esse axioma, ou, pelo menos, o creia).
Eu, Gerson Noronha Mota, que confesso todos os chocolates, os talharins, as picanhas e muitos outros crimes, tanto grelhados como assados, definitivamente não estou engordando.
É uma verdade.
Para terminar, apresento aqui um novo verbo, risonho, originalmente estampado no sítio aboboral (um sítio tem preciso direito de se chamar aboboral):
eu malufo
tu dantas
ele severina
nós valeriamos
vós delubais
eles jefferson!
Os colegas de grupo de trabalho não acharam engraçado esse verbo. Não importa. Há um verbo por trás desse poliverbo, que é lindo e cívico.
Grande abraço,
Gerson
Um comentário:
Postar um comentário