quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

Incidentes na Índia

1. O "pacote". Um sorrindente Zahir nos atendeu em sua agência de turismo. Demonstrando domínio do assunto, ofereceu-nos um pacote que incluia Jaipur, Agra, Khajuraho e Varanasi, perfazendo 10 dias e 500 dólares. Após pagarmos, e ao contrário do que vinha sustentando, ele informou que vouchers, passagens aéreas e de trem seriam entregues somente no dia seguinte, pelo motorista que nos conduziria a Jaipur e Agra. No dia seguinte esse motorista apareceu uma hora depois do combinado, e somente após um telefonema ameaçador disparado contra Zahir. Rumanos para a agência, em busca dos documentos prometidos, mas ignorados pelo motorista. Lá, recebemos vouchers dos hotéis e fomos informados de que as passagens aéreas e de trem nos aguardavam, impacientes, em Agra. No hotel em Jaipur ninguém suspeitava de nossa ida. De qualquer forma, o estabelecimento estava lotado. Levaram-nos a um pardieiro, sem energia elétrica. Preferimos ir ter ao birô de turismo, onde prontamente vimos brotar a vaga no hotel que anteriormente a desconhecia. Em Agra (foi difícil conter a emoção: "vi Agra! vi Agra!") o hotel aceitou-nos de primeira. Após conhecermos o Taj Mahal, rumamos, de trem, para a cidade que fica a meio caminho de Khajuharo. Após pagarmos um táxi, e visitarmos essa cidade de escassos encantos, desistimos da continuação, por trem, até Varanasi. Fomos de avião, pagando à parte e, com isso, o pacote ia se desfazendo, enquanto os custos subiam. Nessa cidade, o hotel era inqualificável, e pagamos por um bom hotel no centro, a 60 dólares a diária. De volta a Déli, pensamos em gratificar Zahir por esses sucessos. O Júlio se entusiasmara com a idéia de capá-lo ("o menino tinha boas intenções", ele insistia), mas eu lembrei-lhe que não seria honesto, além de pouco cristão, deixar de crucificar o patife. Irredutíveis, acordamos em capar e crucificar nosso amigo Zahir, simultaneamente. 2. Ovos fritos. O primeiro café da manhã na Índia foi no quarto. Nada a ver com um acesso de romantismo, incabível. O moquifo em que nos instalamos só servia comida no quarto. Pedimos café, torradas e ovos fritos, estes últimos bem passados, fritos de ambos os lados, firmes, entre outros adjetivos para ovos decentemente fritos. Pois vieram se derramando na bandeja, o garçom deliciado ante a contrafação. No segundo dia, idem, no mesmo hotel. Idem nos terceiro e quarto dias, embora se multiplicassem os adjetivos, em sonoro inglês, para ovos bem passados. Lá pelo quinto dia, diante de um garçom exultante, conduzindo uma inundação amarela numa bandeja rasa, o Júlio foi embora, aviar as malas. Eu fiquei e, com lhaneza, expliquei-lhe como gostaria que viessem os ovos. Funcionou, porque, segundos depois, vieram ovos verdadeiramente fritos, embora o garçom tenha necessitado de aconselhamento psicológico após o episódio. 3. O trânsito. Existe uma diferença entre o trânsito da Índia e o dos muitos países que já visitei. Aqui, os motoristas usam uma técnica similar à dos morcegos: guiam-se pelo som, mais que pela visão. O mais importante para os veículos é sair derramando-se num enfurecido buzinasso. Aos poucos, o rio de veículos descreve um pandemônio, que assalta os tímpanos e perturba as mentes. As ruas comportam tsunamis sonoros, transformando até o mais pacato transeunte num assassino em potencial. Carros, ônibus, caminhões, tuk-tuks, riquixás, bicicletas, pedestres, vacas, porcos, carneiros, búfalos e cachorros: uma alentada reunião de seres bem pouco afins. O trânsito rege-se por uma hierarquia em que os maiores estão no topo e um riquixá, por exemplo, não merece o menor respeito. Todos eles tiram finas dignas de videogame. Todos buzinam como se o mundo estivesse próximo do final e a buzina fosse a única hipótese de salvação. Todos sentem o perigo, mas a necessidade fala mais alto. Cansei de ver-me a milímetros de pesados caminhões na estrada, e de tirar fina, a cada instante, de camelos, pedestres, riquixás. As estradas não têm asfalto e proporcionam, a cada instante, um atentado contra nossas vidas. 4. O flautista No Hotel de Varanasi o flautista interrompia seu concerto para, ao celular, checar com o próprio compositor quais seriam as próximas notas. Por pouco não surramos o bandido.

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